Título: No rastro do dinheiro da contravenção
Autor: Bruno, Cassio; Herdy, Thiago
Fonte: O Globo, 22/04/2012, O País, p. 3

ANÁPOLIS (GO). A lista de beneficiários que teriam recebido dinheiro de contas das empresas de fachada, irrigadas com recursos do grupo Delta, provoca surpresa e pavor em Anápolis (GO), a cidade de Carlinhos Cachoeira. O espanto é de quem diz nem conhecer o nome das entidades, investigadas pela Operação Monte Carlo, da Polícia Federal. O medo é de quem já conviveu com os Cachoeira, e, agora, silencia com o aprofundamento do escândalo.

Numa casa de classe média, em um bairro central de Anápolis, vive o pastor da Assembleia de Deus Dimas José de Oliveira. Ele pareceu espantado com a notícia de que a Brava Construções, cuja sede registrada em Brasília serve a uma oficina de pintura e lanternagem, teria pagado a ele R$ 35 mil. Oliveira diz que não faz a menor ideia do que seja a Brava, muito menos da cor desse dinheiro.

- Não tenho conhecimento desse dinheiro, não veio para minha conta. Não me pagaram nada nem sabia dessa construtora. Tô construindo uma crechezinha. Se esse dinheiro estivesse na minha conta, dava até um beijo na sua testa -- afirmou o pastor.

Porém, o nome do pastor Dimas na lista de pagamentos das empresas de fachada, usadas pela Delta, reforça o elo entre a construtora e o grupo de Cachoeira. Por quatro anos, Oliveira trabalhou no laboratório Vitapan, dirigido pela ex-mulher do contraventor, Andréia Aprígio.

O pastor se desligou da Vitapan em 2005 e trabalhou como gerente do laboratório, que, segundo interceptações telefônicas feitas pela PF, serviu de abrigo para encontros da máfia dos caça-níqueis e dava ares de legalidade às atividades de Cachoeira.

- Eles têm os meus dados porque trabalhei lá. Nunca tive problemas com eles. Pagaram tudo direitinho. Quando saí, o acerto no sindicato foi com um cheque da Vitapan.

O medo está próximo da casa do pastor Dimas: na casa de Edgardo Mendonça, ex-funcionário de Marcos Antônio de Almeida Ramos, um dos onze irmãos de Cachoeira e membro da dinastia que comanda o jogo do bicho no Centro-Oeste. Edgardo teria recebido três depósitos, que totalizam R$ 95 mil, da Alberto & Pantoja Construções e Transportes Ltda, outra empresa de fachada com sede em Brasília. Ele não conta a atividade que desenvolvia no escritório do irmão de Cachoeira, no centro de Anápolis. Nem explica como o dinheiro foi parar na sua conta, em depósitos fracionados. Diz que se afastou da família e toca a vida prestando serviços de polimento de carros em uma casa simples de um bairro de classe média.

O agora polidor de carros também teve o nome envolvido na compra de um apartamento em Anápolis, que antes estava alienado em nome do irmão de Cachoeira. Da mesma forma que os depósitos, assegura que jamais comprou o apartamento e garante não haver nem uma escritura em seu nome. Mas não explica como nem porque seu nome também apareceu na transação.

- Só digo que não peguei esse dinheiro. Não me beneficiei desse dinheiro. Esse apartamento também não é meu. E é só isso que tenho a dizer - afirmou.

Investigadores que atuam em Anápolis explicam que o temor procede diante do número significativo de pessoas da organização na região. Na última semana, após o GLOBO revelar que o bicho continuava ativo na cidade, a polícia resolveu prender apontadores em casas tradicionais, mas não acabou com a movimentação financeira de bancas mais discretas. A perseguição às máquinas caça-níqueis se intensificou, e um caminhão lotado deixou a Delegacia Geral de Anápolis que, há pelo menos uma década, não se dedicava a coibir o jogo ilegal.

A Brava e a Alberto & Pantoja, com sede registrada no mesmo endereço, receberam do grupo Delta R$ 39 milhões, de acordo com o relatório da Operação Monte Carlo. Entre os que receberam recursos da Pantoja e da Brava está o irmão de Carlinhos Cachoeira, Luiz Carlos Almeida Ramos. Ele recebeu R$ 119,6 mil da Alberto & Pantoja. Preso na Operação Monte Carlo como um dos cabeças da organização criminosa de Cachoeira, Adriano Aprígio de Oliveira aparece fazendo saque, no valor de R$ 65 mil, na Brava.