Título: Para juristas, STF acompanha modernização da sociedade
Autor: Brígido, Carolina
Fonte: O Globo, 15/04/2012, O País, p. 3
SÃO PAULO. É citando a trajetória do herói da luta pelos direitos civis americanos Martin Luther King que o jurista Fábio Comparato analisa o atual papel para ele "mais ativo e progressista" que o Supremo Tribunal Federal (STF) vem tendo desde a redemocratização e a Constituição de 1988. Segundo especialistas consultados pelo GLOBO, esse papel se torna mais evidente a partir de recentes decisões, como a autorização para a união homoafetiva, a liberação da marcha da maconha e a legalização do aborto de fetos anencéfalos.
Essa última decisão foi considerada um sinal de que o Judiciário vem dando mais atenção às demandas da opinião pública - e serve, para os especialistas, como alerta ao Legislativo, que não estaria conseguindo acompanhar, da mesma maneira, a modernização da sociedade brasileira.
- Nos EUA, foi o Supremo quem primeiro atentou para as demandas dos negros liderados por Luther King (declarando a segregação racial inconstitucional). Só depois é que o Congresso fez a lei (dando aos negros o direito de votar no Sul dos EUA). Aqui, em situações como a recente, envolvendo o aborto e outras, como a união homoafetiva, a marcha da maconha, a lei da Ficha Limpa, acontece o mesmo - analisa Comparato.
Para o jurista Dalmo Dalari, as recentes votações do STF ocorrem devido à pressão da opinião pública e a uma maior confiança que a sociedade passou a depositar no Judiciário. Ele cita a regulamentação do direito de greve do servidor público como exemplo da adoção de uma postura mais positiva do Supremo.
- Os ministros interpretaram que os funcionários públicos tinham o mesmo direito de reivindicação dos trabalhadores da indústria privada, mesmo sem haver lei para lidar com a questão. São em casos como esse que o Congresso precisa acordar e ver que está atrasado e despreparado.
O especialista em Direito Público Carlos Ari Sundfeld acredita que, em muitos casos, o Congresso acaba, deliberadamente, deixando o STF ocupar espaços vazios que "políticos comprometidos com suas bases não podem ocupar".
- Isso tem um lado bom porque os que reivindicam questões da modernidade, como casamento gay e aborto, sentem-se mais bem atendidos. O lado ruim é o Judiciário passar a interferir em questões que não são de sua alçada e podem acabar criando problemas para o Executivo - diz o jurista, citando recentes pareceres do STF, como o que obrigava esferas do poder público a dar creches gratuitas para crianças com menos de 5 anos.
Os juristas, porém, não preveem que essa atuação gere desequilíbrio entre os três poderes ou crie uma "ditadura do Judiciário".
- Leis sempre serão necessárias, e o poder do Executivo sempre será incontestável - afirma Sundfeld.
Os três especialistas dizem que essa tendência de atender reivindicações civis não tem relação com os governos Lula ou Dilma.
- É um fenômeno da democracia brasileira e vem ganhando corpo desde 1988 - atesta Sundfeld.
Comparato prevê duas novas potenciais "votações históricas" à frente do STF: a revisão da Lei da Anistia para casos de tortura e a questão das cotas universitárias.