Título: Regras em xeque
Autor: Souto, Isabella
Fonte: Correio Braziliense, 18/09/2009, Política, p. 6

Para ex-ministro do TSE Fernando Neves, a derrubada de emendas aprovadas pelos senadores vai significar um avanço para o processo eleitoral. Mas a polêmica continua

Edson Resende: elogios principalmente aos artigos que se referem à web

As novas regras para as eleições no Brasil ¿ incluídas na reforma eleitoral aprovada pela Câmara dos Deputados ¿ dividiram opiniões. Frustrante, positiva em alguns pontos e polêmica, foram alguns adjetivos apontados por especialistas ouvidos pelo Estado de Minas. O texto final será encaminhado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que tem até 2 de outubro para sancioná-lo ou vetá-lo, caso queira que seja colocado em prática já nas eleições do ano que vem.

Entre as 67 emendas aprovadas pelo Senado, os deputados federais mantiveram apenas três ¿ entre elas, regras que dizem respeito à campanha eleitoral na web. Os artigos que se referem à rede mundial de computadores são, aliás, os mais comemorados. O coordenador do Centro de Apoio Eleitoral da Procuradoria Geral de Justiça, promotor Edson Resende, não poupou elogios.

¿A liberdade trazida para as campanhas na internet é o ponto mais positivo da reforma. Não tem mesmo sentido ficar criando obstáculos para a manifestação. A internet não é uma concessão pública, portanto, não tem que estar sujeita às regras da televisão e do rádio¿, opinou o promotor de Minas Gerais. O projeto aprovado libera a atuação dos candidatos em sites e blogs, inclusive no dia das eleições, o que é proibido atualmente.

Os deputados federais determinaram que os sites também não estarão sujeitos às regras das emissoras de rádio e televisão para a realização de debates entre os candidatos. De acordo com o promotor, o temor que a internet possa se tornar uma ¿terra ainda mais sem lei¿ é infundada, pois antes havia restrições e elas eram desrespeitadas.

O advogado e ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Fernando Neves, avalia que a derrubada de boa parte das emendas aprovadas pelos senadores significará um avanço para o processo eleitoral brasileiro. Um exemplo é o artigo que previa a candidatura apenas de pessoas com ¿reputação ilibada¿, subjetividade que, segundo ele, iria transferir para o Judiciário as decisões sobre quem poderia ou não disputar eleições.

¿O grande negócio é o projeto de iniciativa popular, defendido pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil)¿, disse, referindo-se à Campanha Ficha Limpa, que desde o ano passado mobilizou a Igreja Católica para a coleta de, pelo menos, 1,3 milhão de assinaturas de eleitores que defendam a proibição de pessoas condenadas em processos judiciais em primeira instância, ou que respondam a ações nos tribunais de Justiça de disputarem as eleições. O projeto será entregue ao Congresso Nacional no próximo dia 29.

A polêmica ¿doação oculta¿ ¿ casos em que pessoas físicas e jurídicas, como igrejas e agremiações esportivas, estarão autorizadas a fazer repasses de verbas aos partidos políticos sem precisar se identificar ¿ foi minimizada pelo ex-ministro. Segundo ele, os recursos serão destinados pelas legendas aos candidatos e, mais tarde, aos partidos, terão que prestar contas de tudo que receberam. Portanto, na prática, não ocorrerá a doação oculta. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) pensa diferente, e já ameaçou recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) caso o artigo seja sancionado pelo presidente Lula.

Controle

O cientista político e diretor do Centro de Pesquisas e Análises de Comunicação (Cepac), Rubens Figueiredo, considerou a minirreforma eleitoral ¿frustrante¿. Segundo ele, houve muito barulho para pouco resultado, e pontos fundamentais, como o financiamento público das campanhas, mudança no sistema de votação e fortalecimento dos partidos políticos, foram sequer discutidos. O único avanço defendido por ele, a Câmara derrubou: a alteração na regra para substituição de políticos cassados.

Hoje, norma do TSE determina a realização de nova eleição para o caso de cassação de governante eleito em primeiro turno e posse do segundo colocado onde a disputa foi decidida em dois turnos. Se a perda do mandato ocorrer depois de dois anos de gestão, o novo ocupante deve ser indicado pela Assembleia Legislativa ou pela Câmara Municipal. Os senadores haviam apresentado emenda prevendo eleições diretas, independentemente de quando ocorreu a cassação. Na Câmara, o texto foi alterado, mantendo a regra atual. ¿Nada justifica diplomar o segundo colocado, que não foi escolhido pelo povo¿, defendeu.

Embora com ressalvas, o cientista político aponta como positiva a liberação da campanha virtual, pois possibilita ao eleitor uma participação na campanha, aprofundando o conhecimento sobre o candidato. Mas alerta que faltou discutir uma questão crucial: o controle sobre o que é veiculado no computador.

Nada justifica diplomar o segundo colocado, que não foi escolhido pelo povo¿