Título: Brasil cede e admite contribuir para reforçar caixa do FMI contra a crise
Autor: Barbosa, Flávia
Fonte: O Globo, 20/04/2012, Economia, p. 24

WASHINGTON. O Brasil atenuou o discurso e indicou ontem que, junto com o Brics (grupo que reúne o país, Rússia, Índia, China e África do Sul), contribuirá para o reforço de caixa solicitado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) para socorrer sócios que venham a ter dificuldades por causa da crise financeira global. Embora mantenha a exigência de que aportes adicionais sejam condicionados a um compromisso firme das nações ricas com o aumento do poder dos emergentes no organismo, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou que o Brasil reconhece a necessidade de aumentar a disponibilidade de recursos do Fundo e indicou que falta apenas decidir o tamanho da contribuição.

O Fundo já anunciou ter assegurado o compromisso de aporte adicional de US$ 320 bilhões, dos quais US$ 200 bilhões da zona do euro e US$ 60 bilhões do Japão. Estima-se que, depois que os europeus reduziram sua contribuição, o colchão total do Fundo pode ficar entre US$ 400 bilhões e US$ 500 bilhões. O cacife do Brics seria de US$ 80 bilhões.

O número é apenas uma ordem de grandeza e remete ao aporte que os países fizeram (à exceção da África do Sul) em 2009, quando o FMI precisou de reforço para lidar com as consequências da crise inaugurada em setembro de 2008 com a quebra do banco americano Lehman Brothers. Na ocasião, a China colocou US$ 50 bilhões. Brasil, Rússia e Índia, US$ 10 bilhões, cada.

O ministro explicou que, como a crise internacional, "sob certos aspectos, está até mais profunda do que estava", o Brasil concorda com a necessidade de reforço do caixa do FMI. Mas ainda espera uma posição das economias ricas quanto à reforma de cotas da instituição - como fórmula de cálculo e prazo de implementação - para fixar o seu aporte.

O Brics defende que o cálculo seja baseado simplesmente no Produto Interno Bruto (PIB), ignorando critérios como abertura econômica. Isso privilegia os emergentes em detrimento, por exemplo, dos europeus.

- Alguns países não têm entusiasmo em fazer as reformas, têm mais entusiasmo em pedir dinheiro dos países emergentes do que levar adiante a reforma de cotas, porque estes países são os que vão perder posições. Então isso tem que ficar bem claro, que vai haver esta continuação (das reformas), antes de definirmos os números que vamos colocar - disse Mantega. - Achamos que podemos discutir cifras gerais, mas cifras específicas do Brics ainda seria (prematuro). A cifra geral a gente vai discutir na reunião que nós (G-20) vamos ter hoje (ontem) à noite.

Ao contrário de demandar um passo mais concreto e detalhado sobre a reforma de cotas, Mantega indicou que basta um compromisso forte na declaração final da reunião do comitê do FMI (órgão máximo de decisão). O atual processo de reforma, iniciado em 2010, tem até outubro para ser concluído. E o novo, foco da atenção dos emergentes no encontro, deve ser discutido até janeiro de 2013, para ser implementado um ano depois.

Chefe do FMI cobra do

Brics multilateralismo

A diretora-gerente do FMI, Christine Lagarde, cobrou ontem espírito multilateral do Brics:

- Brics é um termo bacana inventado pelo Goldman Sachs, se me recordo. Mas o princípio das especificidades dos países se aplica a eles (os países do grupo). Eles têm questões diferentes, têm, digamos, questões cambiais diferentes, têm questões de fluxo de capitais diferentes, têm diferenças em seus projetos de crescimento inclusivos. Mas certamente o que eles têm em comum é a dedicação ao multilateralismo, e espero que isso seja demonstrado por vários membros, incluindo cada um dos quais você está pensando (Brics), ao fim do encontro de primavera, esta semana.

Lagarde defendeu que o organismo precisa elevar significativamente seu "poder de fogo, em volume suficiente", para assegurar a estabilização da economia mundial, que ainda navega sob "nuvens negras".

- O que precisa ser feito (para tirar o mundo da crise) é ação coletiva. Como pedi recentemente, é preciso um "momento Washington" agora, a exemplo do "momento Londres" que já tivemos no passado - afirmou Lagarde, em referência à primeira reunião de líderes do G-20, em 2009, na qual foram traçadas diretrizes para enfrentamento dos efeitos da crise de 2008.

E disse que o FMI precisa estar pronto a dar a sua contribuição:

- O FMI também precisa participar deste esforço (de contenção da crise) com poder de fogo adicional, para contribuir para a construção desta muralha que nós temos defendido fortemente nos últimos anos. Esta é a razão pela qual, como parte dos resultados deste encontro, nós esperamos que nosso poder de fogo seja significativamente elevado.

Lagarde também cobrou responsabilidade dos EUA, maior acionista do FMI. Os americanos não vão fazer novo aporte, devido à dificuldade de aprovação no Congresso em ano eleitoral. Mas os EUA precisam aprovar a reforma anterior das cotas do FMI, acertada em dezembro de 2010 e que deve ser concluída até o encontro anual do Fundo e do Banco Mundial, em outubro.

Apesar da desconfiança de um grupo de países, especialmente do Brics, quanto à abrangência das medidas de ajuste que vêm sendo implementadas pela Europa, a diretora-gerente do FMI elogiou os passos da zona do euro nos últimos seis meses. Ela citou a adoção de políticas que reforçam disciplina fiscal, regulação, supervisão e o aumento dos fundos de contenção de crise e estabilização, para US$ 800 bilhões.

- Alguns podem argumentar que há uma coisa faltando aqui ou ali, mas, em geral, é um pacote abrangente, que demonstra a determinação de defender a zona do euro - afirmou.

Lagarde citou cinco entraves a uma retomada da atividade global: altas taxas de desemprego, ritmo de crescimento muito baixo e por tempo prolongado, potencial de desalavancagem elevada dos bancos, possibilidade renovada de turbulências nos mercados europeus e ameaça de escalada da cotação do petróleo.

- Vimos a luz da recuperação