Título: BC compra US$ 4 bi e dólar encosta em R$ 1,90
Autor: Carneiro, Luciana
Fonte: O Globo, 20/04/2012, Economia, p. 25

RIO, SÃO PAULO E BRASÍLIA. Sob uma pesada atuação do Banco Central (BC) na semana e um clima de aversão a risco crescente nos mercados financeiros internacionais, o dólar comercial avançou ontem pelo quinto pregão seguido e escalou para um patamar próximo a R$ 1,90. A moeda americana fechou em alta de 0,11%, cotada a R$ 1,882, o maior valor desde 25 de novembro do ano passado. Pela manhã, chegou a ser vendida a R$ 1,894 na expectativa de mais uma intervenção do BC, o que não aconteceu. Desde a última sexta-feira, a autoridade monetária havia retirado US$ 4 bilhões de circulação do mercado, com leilões de compra no mercado à vista, segundo estimativas. O câmbio acumula agora alta de 0,70% no ano, uma das raras valorizações da moeda americana no mundo. Em 12 meses, avança 19,80% ante o real, o maior ganho entre as principais divisas.

Segundo especialistas, a escalada do dólar pode, no entanto, estar perto do fim. Alguns acreditam que a moeda vai passar a oscilar entre R$ 1,85 e R$ 1,90, o que seria o patamar desejado pelo governo e pelas empresas exportadores brasileiras.

- O Banco Central não atuou hoje (ontem) no mercado, após intervenções tão severas nos últimos dias, e o mercado entendeu isso como um recado de que a taxa atual estaria boa para o governo, próxima de R$ 1,90 - disse Reginaldo Galhardo, gerente de Câmbio da Treviso Corretora.

Dólar pesa na inflação e

já encarece viagens

Para Felipe Pellegrini, gerente de Operações do Banco Confidence, os investidores teriam "jogado a toalha" na disputa em torno da cotação da moeda americana, após uma grande queda de braço com a autoridade monetária em fevereiro.

- O BC e o governo têm demonstrado que querem moeda para cima. E o mercado percebeu que não ia conseguir brigar muito tempo com o BC e passou a andar para o lado que eles querem - avaliou.

Uma prova disso seria o aumento das apostas em uma alta da moeda no mercado futuro de câmbio. Os investidores estrangeiros e institucionais estão comprados (apostando na alta da moeda) em US$ 10,1 bilhões na BM&FBovespa. No fim do ano passado, essas apostas somavam US$ 6,7 bilhões.

Segundo João Ferreira, diretor da corretora Futura, mesmo assim muitas empresas correram ao mercado nos últimos dias para estancar perdas com sua dívida em moeda americana.

Nos bastidores, os técnicos do Ministério da Fazenda avaliam que a política cambial tem sido bem sucedida, na medida em que mantém o dólar num nível considerado por eles razoável. Segundo uma fonte, além dos leilões do BC, a valorização seria resultado também de medidas adotadas como o aumento da alíquota de IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) para o ingresso de capital estrangeiro no país.

- As intervenções que o governo realizou têm sido eficientes. Temos conseguido deixar o câmbio num patamar que minimiza os efeitos para a indústria - afirmou outra fonte.

Enquanto o governo comemora a recente alta do dólar, a valorização da moeda começa a se refletir nos índices de preços ao produtor e pode atingir o consumidor em breve, dizem analistas. No turismo, o impacto do dólar alto já chegou. Agências de viagem revelam que a venda de pacotes ao exterior caiu 15% nas últimas semanas, na comparação com o primeiro bimestre do ano, e que os preços subiram.

- A alta de preços de bens intermediários, dentro do IPA, Índice de Preços ao Produtor Amplo, já acelerou. Não há dúvida de que uma alta do dólar de R$ 1,70 para quase R$ 1,90 em dois meses terá impacto nos preços. Esse efeito deve chegar aos Índices de Preços ao Consumidor em maio ou junho - afirma o economista-chefe do ABC Brasil, Luis Otavio de Souza Leal.

Daniel Lima, economista da Rosenberg & Associados, lembra que os IPAs vinham se acelerando por causa das commodities e devem ganhar mais um impulso agora com o dólar. Se a moeda americana se mantiver no patamar de R$ 1,90, esse impacto também deve chegar ao consumidor final, embora diluído, acredita Lima.

O dólar mais caro pressiona o custo das empresas por causa de insumos mais caros e também por investimentos, embora por outro lado as exportações se tornem mais competitivas. Para compensar, as companhias são obrigadas a reduzir suas margens de lucro ou a repassar esse custo para o preço do produto final, afetando os consumidores.

- Outro risco que corremos é que a recuperação dos EUA e a retomada de fôlego na China podem pressionar o preço de commodities, principalmente de petróleo - afirma o sócio da Órama Alvaro Bandeira.

E quem quer viajar para o exterior já se ressente do dólar mais caro. Athayde Botto, diretor da agência Só Viagens, afirma que sentiu no bolso a alta do preço da moeda:

- Nas últimas duas ou três semanas, houve redução na procura de 15% na venda de pacotes internacionais em comparação ao início do ano.

Com a variação do câmbio, a agência foi obrigada a elevar em 10% o valor dos pacotes turísticos. A agência, que antes trabalhava com o dólar turismo entre R$ 1,80 e R$ 1,85, teve que aumentar o valor para até R$ 2,03. Para Botto, os consumidores estão esperando uma nova queda na moeda para poder sair novamente do pais, mas continua confiante:

- Mesmo com o dólar alto, o brasileiro vai continuar viajando enquanto a economia do país estiver boa - avalia.

Bolsa cai 0,62% puxada

por ações da Vale

Leonel Rossi, vice-presidente de Relações Internacionais da Associação Brasileira de Agências de Viagens (Abav), não acredita em cancelamentos de pacotes já comprados por causa do dólar. Mas afirma que o preço dos pacotes acompanhou a alta da moeda e subiu 4% nos últimos dois meses. Para ele, o cenário pode piorar quando o dólar superar a "barreira psicológica dos R$ 2":

- Enquanto a moeda está abaixo desse valor, não haverá sustos para o mercado e os clientes continuarão viajando para o exterior.

Num dia de alta do dólar, o Ibovespa, principal índice da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), caiu 0,62%, aos 62.180 pontos, com volume negociado de R$ 5,6 bilhões. O destaque ficou para a queda de 0,40% das ações da Vale, para R$ 42,06. Em Wall Street, o Dow Jones perdeu 0,53% e o Nasdaq, 1,08%.

- A conjuntura internacional, com a crise da dívida na Europa, continuou pesando sobre o mercado de ações, mesmo com a queda da taxa básica de juro, a Selic. Acredito que nos próximo meses, a Bolsa deve manter este movimento de volatilidade. Os sinais são de que a economia dos EUA cresce, mas com vagarosidade e preocupa a perspectiva de menor crescimento da China - avalia Manoel Lois, diretor-executivo da Corretora Spinelli.

COLABORARAM Martha Beck e Gabriela Valente