Título: Entre a punição e o benefício
Autor: Mariz, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 18/09/2009, Brasil, p. 8

Projeto que prevê castração química ¿ ou tratamento hormonal ¿ de condenados por crimes sexuais contra crianças vai a votação permeado por polêmicas e opiniões divergentes

Material apreendido no DF em casa de suspeito de pedofilia: tratamento previsto no projeto é facultativo

Cercado de controvérsias jurídicas, médicas e éticas, o Projeto de Lei 552/2007, que prevê a castração química em pedófilos, está com votação marcada para quarta-feira. Cientes da polêmica que terão de enfrentar na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde a matéria tramita em caráter terminativo(1), os parlamentares estudam realizar audiências públicas para debater o assunto. Na sociedade, porém, a polêmica já está instalada. Enquanto alguns apontam a inconstitucionalidade da proposta, alegando se tratar de uma pena cruel, outros defendem a medida como um benefício, e não um castigo, aos condenados por abusar sexualmente de menores de 14 anos. A dificuldade de diagnosticar a pedofilia ¿ doença reconhecida internacionalmente ¿ é outro problema.

Psiquiatra e membro efetivo do Conselho Federal de Medicina, Luiz Salvador rechaça qualquer hipótese de institucionalizar o tratamento. ¿Essas terapias, sobretudo quando administradas com hormônios, são muito inseguras. Se o pedófilo quer ir a uma clínica e se submeter, tudo bem. Mas o Estado obrigá-lo, isso não é correto e duvido que algum médico sério vá participar¿, critica o psiquiatra. Relator da proposta, o senador Marcelo Crivella (PRB-RJ) se adianta em ressaltar que o tratamento é opcional. ¿Ninguém será obrigado a fazer. Trata-se de uma chance que o preso por esse crime terá de receber tratamento para não reincidir¿, defende.

O argumento não convence o presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), Sérgio Mazina Martins, para quem a inconstitucionalidade do projeto é clara. ¿Nosso artigo 5° da Constituição veda qualquer tipo de pena cruel. Invadi-lo quimicamente, ainda que com seu consentimento, é violar suas funções sexuais, que devem ser preservadas tanto quanto as demais funções, como as motoras, visuais¿, destaca o especialista. Ele explica que a integridade física do ser humano, à luz do direito, é algo indisponível. ¿Se eu pedir para você cortar meu braço e você fizer isso, estará cometendo um crime, mesmo que eu tenha solicitado.¿

Danilo Baltieri, coordenador do Ambulatório de Transtornos da Sexualidade da Faculdade de Medicina do ABC (ABSex) e membro da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), esclarece ainda que nem todos que abusam de crianças são pedófilos. ¿Pesquisas mostram que de 60% a 80% não têm a doença médica chamada pedofilia. E o diagnóstico, embora possível, é difícil de ser feito, não há muitos especialistas na área¿, alerta. Baltieri recomenda cuidado ao debater a doença, considerada por ele uma das mais estigmatizadas no mundo, e ressalta que, segundo estudos, menos de 4% dos pacientes necessitam de medicação.

Os defensores da proposta, entretanto, invocam a proteção da sociedade. ¿Quem alega que os direitos humanos do pedófilo vão ser violados deveria pensar primeiro na vítima¿, dispara Gerson Camata, autor do projeto de lei. Ele se ampara nas experiências internacionais de castração química ¿ ou tratamento hormonal, como o relator preferiu chamar o procedimento no texto da matéria. ¿Se os Estados Unidos, o Canadá e outros fazem, somos nós que estamos certos e eles errados?¿, questiona. Alguns países europeus, como Itália e França, estudam implantar a medida. ¿Nosso direito é um, o deles é outro¿, ataca Martins, do IBCCrim. No Brasil, a central de denúncias nacional notificou, só em 2008, 32 mil registros de exploração e abuso sexual contra menores.

1 - Processo legislativo Quando uma matéria tramita de forma terminativa em uma comissão do Senado, significa que não precisará passar pelo crivo do plenário da Casa¿ onde a aprovação tende a ser sempre mais difícil. Sendo aprovada, em caráter terminativo, numa comissão, uma matéria pode seguir para a Câmara ou ir direto para a sanção presidencial (caso já tenha passado pelo exame dos deputados). O mesmo vale para projetos terminativos avaliados em comissões da Câmara.

Ponto crítico

A eventual medida de castração é eficiente?

NÃO

» Sérgio Mazina Martins

¿Essa proposta é absolutamente descabida e inconsequente, até porque os crimes sexuais, incluindo os contra menores de 14 anos, não surgem apenas de uma questão química ou psíquica. Há fatores até de natureza cultural. Não tenho dúvidas de que o Supremo declarará a inconstitucionalidade da matéria, porque invadir quimicamente o corpo do outro caracteriza tratamento cruel. Para nós, do mundo acadêmico do direito, isso é muito claro. Além do mais, tendo a terapia efeito provisório ou permanente, há problemas. Se provisório, o remédio só terá ação enquanto ele tomar, ou seja, enquanto estiver preso. Se permanente, fica caracterizada a pena perpétua, que não é só a de prisão ¿ outro princípio vedado pela Constituição.¿

Presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim)

SIM

» Marcelo Crivella

¿O projeto prevê que a adesão ao tratamento será voluntária. Ou seja, o condenado receberá a terapia se quiser. Portanto, não se trata de nenhuma violação de direitos. Veja que a função da pena é reeducar o indivíduo. Com o tratamento, que deverá ser feito durante o cumprimento da pena em regime fechado, vamos mostrar à pessoa que a vida dela pode ser bem melhor com a medicação. A ideia é fazer com que ela pense: `Se eu sair e não continuar o tratamento, vou reincidir e serei punido de novo, desta vez sem o benefício da redução de um terço da pena. Então vou continuar me tratando¿. Na verdade, trata-se de um benefício, e não uma vingança. Sei que o tema provocará polêmica e que há resistências, mas temos que fazer essa discussão.¿

Relator do projeto que autoriza a castração química de pedófilos