Título: Judiciário e Senado em guerra no Paraguai
Autor: Lage, Janaina
Fonte: O Globo, 21/04/2012, O Mundo, p. 34

Corte Suprema do país denuncia à OEA violação da Constituição após senadores destituírem 7 de seus 9 membros

RIO e ASSUNÇÃO. Um impasse entre o Judiciário e o Senado levou a Corte Suprema do Paraguai a denunciar à OEA (Organização dos Estados Americanos) uma violação da ordem constitucional no país. O titular do Judiciário, Victor Núñez, entregou pessoalmente um pedido ao presidente Fernando Lugo, para que este comunicasse ao órgão em caráter de urgência.

A polêmica começou depois que o Senado declarou vagos na semana passada os cargos de sete dos nove ministros da mais alta instância da Justiça no país. Os magistrados se negam a deixar os cargos e acusam o Senado de exceder sua competência.

Para Núñez, a decisão dos senadores "não tem validade jurídica" e configura um quadro institucional que "coloca em grave risco a legalidade democrática". Os senadores se amparam em um artigo da Constituição que define que os magistrados devem ser confirmados durante dois mandatos para que se tornem irremovíveis, mas os membros da Corte sustentam que não são simplesmente magistrados, mas sim ministros.

Para o analista político Alfredo Boccia Paz, trata-se de um caso em que nenhuma das partes tem razão.

- De um lado, o Senado tem razão em querer modificar a composição da Corte Suprema de Justiça paraguaia porque ela se converteu em um símbolo da corrupção judicial. Mas a Corte tem razão ao dizer que não é o procedimento correto. A Constituição afirma que os juízes só podem ser removidos diante de um juízo político - disse ao GLOBO.

O grupo de legisladores dispostos a renovar a Corte já se reuniu com embaixadores de países da região e pretende viajar a Washington, onde está localizada a sede da OEA, nos próximos dias para explicar a atitude em defesa de uma reforma radical do Judiciário.

- Não estamos discutindo se a Corte funciona bem ou mal, se há ou não razão para renovar a Justiça... O que sustentamos é que esta não é a via constitucionalmente prevista - disse Núñez à Reuters, afirmando ainda que a renúncia de um ministro seria o outro caminho possível para alteração da Corte.

Em sua carta à OEA, a Corte afirma que o impasse suscita "uma grave crise institucional que coloca o Poder Judiciário em um estado de incerteza que atenta contra a tranquilidade espiritual e a independência exigidas na função", além de debilitar a segurança jurídica necessária para se viver em uma sociedade organizada.

A Corte Suprema havia sido reformada durante o governo do então presidente Nicanor Duarte, mas críticos dizem que a maior parte dos membros é formada por juízes ligados ao Partido Colorado, que comandou o país durante 60 anos - inclusive nos 35 anos da ditadura do general Alfredo Stroessner, deposto em 1989 - antes de ser derrotado nas urnas há quatro anos, quando Fernando Lugo foi eleito.

Lugo deixa decisão com Conselho de Magistratura

O caso deve ganhar mais um capítulo na próxima segunda-feira, quando o Conselho de Magistratura, que designa juízes e procuradores, se manifestar sobre a decisão do Senado.

Lugo, que tenta administrar a crise entre os Poderes, disse que respeitará a decisão do Conselho de Magistratura, e defendeu o diálogo e o consenso político como as estratégias para superar o episódio.

Em entrevista recente ao "ABC Color" durante sua passagem pela Cúpula das Américas, Lugo se disse favorável a uma mudança na Corte Suprema, mas reiterou que ela não pode ser feita por meio de pactos políticos para repartir cargos. E afirmou não ter nada a ver com a crise. No Partido Colorado, muitos veem semelhanças com a marcha realizada em março de 2006 - e encabeçada por Lugo - contra o então presidente Nicanor Duarte Frutos depois que a Corte Suprema permitiu que este acumulasse a Presidência do país e do partido, o que violaria a Constituição. Ainda acusam Lugo de buscar a reeleição, o que não está previsto na legislação do país.

- Tomara que isso (a crise entre a Corte e o Senado) não chegue a maiores consequências e que com o sistema democrático e a participação de todos se chegue a uma solução - disse Lugo.

Apesar dos ânimos acirrados no país, Boccia aposta que o episódio não deverá ter longa duração:

- Essa é uma crise, como dizemos aqui, de vacas esfomeadas. E acabará com o cansaço dos combatentes. É uma das tantas crises paraguaias que começam com muito ruído e terminam subitamente.