Título: Negociação milionária para liberar bingos
Autor: Carvalho, Jailton
Fonte: O Globo, 29/04/2012, O País, p. 12

Deputado diz que donos de casas de jogos planejaram pagar R$ 1 milhão a parlamentares usando nome de Temer

BRASÍLIA. Donos de casas de jogos eletrônicos negociaram por R$ 1 milhão o apoio de um grupo de deputados federais ao projeto de legalização dos bingos no início de 2010, quando a proposta estava prestes a ser levada ao plenário da Câmara.

Pelo menos um dos deputados usou indevidamente o nome do então presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), hoje vice-presidente da República, na negociação.

Ao justificar o valor global da propina, o deputado negociador explicou que R$ 400 mil seriam destinados a Temer.

O restante, R$ 600 mil, seria partilhado entre outros parlamentares.

A negociata com fachada social esbarrou no deputado Fábio Ramalho (PV-MG), então no primeiro mandato, mas muito atento às sutilezas da atividade parlamentar.

Ex-prefeito de Malacaxeta, pequena cidade do interior de Minas Gerais e favorável aos jogos, o deputado não despertou desconfiança da turma do jogo e teve acesso a informações importantes sobre as negociações em curso. Sem fazer alarde, o deputado pediu audiência e avisou Temer sobre o envolvimento do nome dele na negociata.

— A movimentação que eu vi não estava certa. Falei com o presidente (Michel Temer) que o projeto não deveria ser votado e ele me escutou — disse Ramalho ao GLOBO na tarde de quarta-feira.

Naquele momento, Temer era a peça central nos interesses de donos de bingos e outros tipos de jogos. Caberia ao presidente da Câmara dar a palavra final sobre a inclusão do projeto de legalização dos jogos na pauta. As negociações estariam cobertas pela pressão social. Com a crise internacional batendo às portas do país e o risco do desemprego crescendo, donos de bingos contavam com um forte apelo: os jogos ajudariam a ativar a economia de algumas áreas e garantiriam o emprego de milhares de trabalhadores.

O deputado federal Fábio Ramalho (PV-MG) se aproximara de Michel Temer (PMDB-SP) durante a campanha pela presidência da Câmara e, desde então, se tornara um importante interlocutor. A proximidade facilitou a franqueza do diálogo. O foco da tensão estaria na Comissão de Finanças e Tributação.

Depois de checar a veracidade das informações, Temer tomou uma decisão: o projeto dos bingos não seria votado no plenário enquanto estivesse na presidência da Câmara. O texto, que estava prestes a ser apreciado, foi remetido a uma comissão geral para ser discutido em audiências públicas. Era uma solução intermediária.

Temer evitaria o desgaste de pedir abertura de investigações formais contra parlamentares em ano eleitoral e, ao mesmo, frustaria o objetivo central do grupo, que era a aprovação do projeto.

O texto só foi ao plenário no final de 2010, quando Temer já havia deixado a presidência da Câmara, para fazer dobradinha com a então candidata à Presidência, Dilma Rousseff, na campanha eleitoral. Procurado pelo GLOBO, na sexta-feira, o vice-presidente da República confirmou, por intermédio da assessoria de imprensa, a pressão de alguns parlamentares para votação do projeto de legalização dos bingos e os rumores das negociatas.

"Em sua última gestão na Câmara (2009/2010), havia muitos pedidos para incluir essa matéria na pauta de votações do plenário", diz a nota da vice-presidência.

"Apesar dos pedidos, ele (Temer) jamais incluiu esse item quando estava no comando das sessões. Seja porque sua disposição era não incluir, seja porque havia muitos boatos, que jamais se corporificaram numa acusação formal", acrescenta o texto enviado em resposta ao GLOBO.

Embora o caso tenha vindo à tona em 2010, gravações interceptadas recentemente pela Polícia Federal na Operação Vegas mostram Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, chefe da exploração de bingo e outros jogos em Goiás, mandando o senador Demóstenes Torres (sem partido- GO) procurar Temer para tratar do projeto. O conteúdo da gravação foi divulgado pelo GLOBO em 29 de março. Temer disse que não tratou do assunto com o senador, acusado de colocar o mandato a serviço de Cachoeira.

As primeiras denúncias sobre compra de apoio parlamentar para a legalização dos bingos surgiram dois anos atrás. O deputado Chico Alencar (PV-RJ) disse que, à época, ouviu rumores sobre compra de votos. Mas só agora o caso ganha contornos concretos. Pode acabar na CPI do Cachoeira, que investigará envolvimento do contraventos com políticos e empresas.