Título: Os royalties e a Federação brasileira
Autor: Piscitelli, Roberto Bocaccio
Fonte: Correio Braziliense, 18/09/2009, Opinião, p. 21

Professor da Universidade de Brasília

A discussão sobre a partilha dos royalties da exploração do petróleo é especialmente reveladora do estágio de desenvolvimento político em que nos encontramos. Com muita paixão e sem nenhuma racionalidade, três unidades da Federação (ou alguns de seus representantes) invocam uma espécie de direito natural e eterno ao usufruto dos resultados econômicos da exploração do precioso minério, que, aliás, já serviu de pretexto tanto para guerras quanto para o armamentismo tão ao gosto do complexo industrial-militar.

A polêmica é, em particular, reveladora do egoísmo ou do individualismo institucional que parece tratar o país como uma confederação, em vez de uma federação, onde se deveria buscar um mínimo de equilíbrio e um máximo de harmonia.

De todo modo, defender os atuais critérios de rateio é ferir a inteligência de qualquer simples mortal. O novo modelo de exploração resultante das descobertas no pré-sal (que talvez se devesse chamar de pós-sal) é inteiramente distinto e original, até para qualquer padrão internacional. A essa evidência se deve agregar o fato de as novas reservas se situarem a uns 200km a 300km da costa e a uns 6 mil metros a 7 mil metros de profundidade. A essa distância e profundidade, os supostos danos ambientais que pudessem afetar territórios à mesma latitude dos poços afetariam igualmente estados e municípios vizinhos, talvez até a distâncias menores.

Lembre-se, ainda, por oportuno, de que a expressão ¿estados produtores¿ é meramente figurativa. Quem produz é a União, é a Petrobras (ou a empresa a ser criada ou as que vierem a tornarem-se parceiras). Ademais, o subsolo e o mar territorial constituem propriedade da União, que, na estrutura político-administrativa brasileira, é o único ente soberano.

A discussão foi de tal maneira desvirtuada que se perdeu a noção de que foi a nação inteira, sua população, ao longo de mais de meio século, que contribuiu para formar essa empresa gigantesca (a oitava do mundo) e viabilizou o ciclo completo de pesquisa, prospecção, produção e distribuição do óleo e seus derivados, como se passa com as demais empresas e empreendimentos de vocação nacional.

A insistência de governantes dos três estados referidos para ampliar e monopolizar seus privilégios se constitui em inaceitável discriminação contra os estados interiores ou mesmo aqueles que as pesquisas não alcançaram. É irônico, mas até parece que, para o Distrito Federal participar do banquete, a capital deveria reverter para o litoral.

Certamente algumas pessoas continuam preferindo ignorar que uma das funções dos orçamentos públicos ¿ com todos os aportes que o governo federal já fez e continuará fazendo ¿ é reduzir as desigualdades inter-regionais, conforme o artigo 165, § 7º, da Constituição.

O quadro atual de distribuição dos royalties é tão despropositado e ¿ por que não dizer? ¿ iníquo, que 1,7% dos municípios brasileiros recebem 90% dos R$ 2,5 bilhões que são destinados às prefeituras.

Por fim, é bom não ir assim com tanta sede ao pote ou ao poço: será necessário investimento maciço ¿ e um prazo considerável ¿ para tornar econômica a exploração desse potencial de riqueza. E, quando ela estiver disponível, a matriz energética poderá não ser a mesma. Nem será conveniente colocar todos os ovos na mesma cesta.