Título: Ô, senador, eu boto o dinheiro na tua mão
Autor: Vasconcellos, Fabio ; Marques, Sérgio
Fonte: O Globo, 17/04/2012, O País, p. 3

'Ô, senador, eu boto o dinheiro na tua mão'

Dono da Delta afirma em áudio como pagar propina a políticos e garantir negócios da empresa

FERNANDO CAVENDISH, dono da Delta : "Eu não me interesso pela raia miúda"

Julio Bittencourt/Valor/9-7-2009

BRASÍLIA. A Delta Construções apareceu em nova gravação, que não consta no inquérito da Polícia Federal sobre as relações do bicheiro Carlinhos Cachoeira. Em áudio divulgado no site "Quid Novi", o dono da construtora, o empresário Fernando Cavendish, fala dos milhões necessários para se ter as portas abertas pelos políticos. O PSDB já anunciou que vai tentar ouvir Cavendish na CPI do Cachoeira, assim que ela for instalada. Também vai pedir a quebra dos sigilos fiscal e telefônico do empresário.

O site é do jornalista Mino Pedrosa, que prestou serviços para Cachoeira. Ele disse que já fez trabalho de consultoria para o laboratório farmacêutico Vitapan, de propriedade do bicheiro. Segundo a Polícia Federal, que prendeu Cachoeira em fevereiro durante a Operação Monte Carlo, a Delta transferiu dezenas de milhares de reais para empresas de fachada controladas pelo bicheiro.

As declarações de Cavendish foram dadas durante reunião de diretores da Delta e da empresa Sygma, que estavam desfazendo uma sociedade. O site afirma que o áudio foi gravado por um dos diretores presentes, em 2009, mas a Delta, em nota, alega que a gravação é clandestina e que o trecho divulgado foi editado.

- Se eu botar 30 milhões na mão de um político, eu sou convidado para coisa para caralho. Pode ter certeza disso. Te garanto - diz Cavendish na gravação.

- Estou sendo muito sincero com vocês: seis milhões aqui, eu ia ser convidado (para tocar obras). "Ô, senador fulano de tal, se convidar, eu boto o dinheiro na tua mão" - afirma .

Cavendish ainda deixa claro que não é qualquer um que vai receber propina dele.

- Eu não me interesso pela raia miúda (sic). Nenhum interesse por raia miúda. Para que raia miúda?

Em nota encaminhada ao site "Quid Novi", a Delta diz que o trecho foi editado a partir de um áudio gravado clandestinamente em dezembro de 2008. Na conversa, os controladores da Delta e da Sygma discutiam os termos de uma dissociação. "Um dos antigos proprietários da Sygma que estão sendo processados pelos controladores da Delta Construção gravou a longa discussão e pinçou aquele trecho a fim de promover chantagens negociais contra a empresa", diz a nota.

Em resposta, Mino Pedrosa diz que o trecho divulgado "fala por si" e que a gravação não é clandestina, por ter sido feita por um dos diretores presentes na reunião, realizada em dezembro de 2009 (e não 2008, como a Delta disse inicialmente). Pedrosa ainda oferece a íntegra do áudio à Justiça. Segundo Pedrosa, a causa do rompimento das empresas seria o pagamento de consultoria política ao ex-ministro e ex-deputado José Dirceu, algo que não teria a aprovação da Sygma.

Análise da Controladoria Geral da União (CGU) mostra que, entre 2007 e 2010, foram constatadas irregularidades em pelo menos 60 contratos celebrados entre o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e a Delta Construções. Essas obras foram tocadas em Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rondônia, Sergipe, São Paulo e Tocantins. Ao todo, os contratos somam R$ 632,3 milhões, mas não há um valor exato de quanto desse dinheiro pode ter sido desviado.

O líder do PSDB na Câmara, Bruno Araújo (PE), quer que Cavendish se explique.

- A Delta é a empresa que mais recebe recursos do governo federal no PAC, cresceu muito nos últimos anos e aparece com frequência nas gravações do caso Cachoeira. Cavendish precisa explicar sua atuação e suas declarações - disse Bruno Araújo.

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