Título: O Brasil na Cúpula das Américas
Autor:
Fonte: O Globo, 17/04/2012, Opinião, p. 6

Terminou completamente esvaziada a Cúpula das Américas que se reuniu em Cartagena, Colômbia. Esse resultado não surpreendeu ninguém. Os motivos de discórdia eram suficientes para esvaziar as chances de entendimento, sendo o mais óbvio a exclusão de Cuba por conta do veto americano.

O próprio anfitrião do encontro, o moderado Juan Manuel Santos, deu a entender que, se daqui a três anos o veto persistir, pode simplesmente não haver mais cúpula.

Três anos é muito tempo. No encontro de agora, o presidente Obama, em plena campanha eleitoral, não tinha condições de abandonar uma postura diplomática que vem da crise dos mísseis, quando o planeta esteve perigosamente próximo de um conflito nuclear. Daqui a três anos, talvez seja diferente, já que o bloqueio a Cuba se apresenta hoje como um anacronismo, e até contraproducente como política anticastrista.

Mas, ainda que não existisse a questão cubana, Cartagena parecia antecipadamente destinada ao fracasso.

Mudou a relação de forças entre Estados Unidos e América Latina, em benefício da América Latina. Existem, entretanto, fatores culturais que conspiram contra o entendimento. O Sul prospera; não está dilacerado por conflitos internos. Mas subsistem arestas na relação entre a América Latina e a América saxônica. Viu-se a aparição, ao sul do Rio Grande, de regimes que parecem voltar ao mais antiquado caudilhismo. O coronel Chávez fez do antiamericanismo quase que a base da sua plataforma política. Há de ter lá os seus motivos, já que Washington não hesitou em reconhecer o golpe que o ia derrubando alguns anos atrás. Mas, como estilo político, o chavismo é um definitivo retrocesso, que se reflete numa Venezuela sufocada em problemas. Chávez encontrou parceiros no Equador, na Bolívia e até na Argentina - em boa parte porque soma ao aliciamento político as benesses do petróleo.

Tudo isso acaba por dar um ar utópico à proposta original da Cúpula das Américas, criada em Miami, em 1994, por iniciativa dos Estados Unidos.

O Brasil não pode e não deve deixar-se acuar por esses impasses. Em que pese eventuais desvios de percurso, tem uma tradição diplomática infensa aos exageros e radicalismos. Daí que, depois dos inícios flamejantes do coronel Chávez, não há qualquer dúvida, atualmente, sobre onde reside o centro de gravidade do bloco latino-americano.

Perdeu-se uma boa oportunidade com o Mercosul, que, em seus inícios, parecia oferecer algum contrapeso ao gigante americano, mas que depois foi sendo desfigurado pelas sucessivas crises políticas da Argentina. Em compensação, surge no cenário uma figura como a do presidente da Colômbia, que, sem afrouxar o combate à guerrilha e ao narcotráfico, soube contornar a belicosidade marcante do presidente Uribe. Isso cria um parceiro importante para o entendimento continental.

Quanto ao diálogo Brasil/Estados Unidos, deve seguir na linha do pragmatismo, aparadas algumas arestas desnecessárias que surgiram no período lulista. A presidente Dilma não precisa de banquetes em Washington para afirmar o que é hoje uma relação de respeito mútuo.