Título: A década do emprego formal
Autor: Ribeiro, Fabiana
Fonte: O Globo, 28/04/2012, Economia, p. 25

Proteção social já atinge mais de 70% dos empregados. Renda subiu 5,5% em dez anos

Na última década, o mercado de trabalho deu um salto de formalização.

De 2000 para 2010, os profissionais com carteira de trabalho assinada — que somam 39,1 milhões de trabalhadores — aumentaram sua participação no contingente dos 61,1 milhões de empregados do país: saem de 54,8% para 63,9%. Já os sem carteira —17,4 milhões — recuaram de 36,8% para 28,5%. Somados aos 7,6% dos militares e funcionários públicos, são 71,5% dos empregados com proteção social no Brasil. Em 2000, eram 63,3%. A menor informalidade mexeu com vários indicadores, da renda à jornada do trabalho, passando pela desigualdade. O crescimento econômico, mais escolaridade e a melhor distribuição de renda, especialmente nos anos mais recentes, explicam o avanço no mundo do trabalho.

Os dados fazem parte do maior retrato do país, o Censo Demográfico 2010, divulgado ontem pelo IBGE.

— De 2000 a 2010, houve crescimento da força de trabalho brasileiro, com mais pessoas entrando no mercado. E isso veio acompanhado de uma melhora na situação econômica das famílias — comentou Vandeli Guerra, pesquisadora do IBGE, acrescentando que a expansão da formalidade aconteceu em todas as cinco regiões do país.

— Atingiu 72,1% dos empregos do Sul em 2010 e, no outro extremo, 47,3% das vagas do Norte.

Junto com o emprego formal, a última década trouxe aos brasileiros uma renda maior. Segundo o IBGE, em 2010, o rendimento médio mensal de todos os trabalhos das pessoas ocupadas foi de R$ 1.345, contra R$ 1.275 em 2000, um ganho real de 5,5%. Com isso, o rendimento real mensal dos domicílios subiu15,5% em dez anos. A menor alta foi apresentada no Sudeste (11,0%), já a do Nordeste, onde tradicionalmente os ganhos são menores, teve a maior expansão real (25,5%).

— É um aumento de renda expressivo — resumiu Vandeli.

Mais de 70% vivem com até mil reais l

Apesar das melhorias na qualidade do emprego, a desigualdade persiste.

São 72% dos trabalhadores que ganham até dois salários mínimos, ou seja, pouco mais de mil reais em 2010. Já quem ganhava mais de 20 mínimos por mês representava somente 0,9% da população ocupada do país em 2010. E a parcela das sem rendimento foi de 6,6%. Um sinal da extrema concentração de renda no Brasil.

Para Flavio Comim, pesquisador do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, há pouco a ser comemorado.

— Não dá para ver o copo meio cheio. As diferenças entre as regiões são gritantes. Há desigualdades enormes entre o Brasil urbano e o Brasil rural.

As melhorias vêm ainda muito lentamente.

Não se pode aceitar que mais de 70% da população viva com dois salários mínimos por mês.

Segundo João Saboia, professor da UFRJ, de 1995 a 2010, o salário mínimo praticamente dobra.

— Houve um grande incremento do salário mínimo. Os dados mostram que são justamente os empregos, de até dois salários mínimos, que sustentam a criação de vagas do país.

Marcelo Neri, da Fundação Getulio Vargas, diz que a desigualdade, que ainda segue elevada, caiu muito na década.

Para se ter ideia, dois terços dessa redução, de 2001 a 2009, veio da renda do trabalho.

— Há muito a ser feito, mas, nesses últimos dez anos, o bolo cresceu com mais fermento. E com mais fermento para os mais pobres.

De 2000 para 2010, o nível da ocupação das pessoas com 10 anos ou mais subiu de 47,9% para 53,3%. Ou seja: mais da metade da população em idade ativa (10 anos ou mais) trabalhava.

Um indicador que aumentou em todas as regiões do país. Com mais gente trabalhando, a taxa de desocupação caiu.

Pelos dados do censo, a taxa de desemprego de 2010 foi de 7,6%. Mesmo sendo outra base comparação, a Pnad mostrou uma taxa de 8,4% em 2009 e de 9,3% 2001.

— Nessa década, o mundo do trabalho realizou um antigo sonho dos brasileiros: a carteira assinada. Foi uma década especial, de grandes transformações — completou Neri.

O reflexo dessa maior formalização fica evidente também na jornada de trabalho. Houve aumento na parcela de ocupados que trabalham entre 40 e 44 horas semanais, de 34% para 46% — exatamente a jornada do emprego formal.

Nas jornadas maiores, houve redução, assim como nas menores.

— É nessa faixa que se concentra o emprego formal — resumiu Vandeli.

Se o emprego com carteira avança, outras categorias encolhem. A fatia dos conta própria nos ocupados caiu de 23,5% para 21,5% no período.

Também ficaram menores as participações de empregadores (de 2,9% e 2,0) e os não remunerados (de 4,0% para 1,7%).

— Quanto mais organizada a economia, maior a participação dos empregados — acrescentou Vandeli.

Após trabalhar quase cinco anos como autônomo, sem carteira assinada, tudo o que Wellington Gomes precisava era segurança no trabalho. Aos 36 anos e pai de três filhos, Gomes viu sua vida mudar quando sua carteira foi assinada, há dois anos, e começou como gerente em uma choperia na Tijuca, Zona Norte do Rio de Janeiro.

— Hoje, meus filhos e minha mulher podem viver mais confortavelmente e tenho toda a segurança que uma carteira assinada traz para o trabalhador.