Título: Governo incentiva população a pressionar
Autor: Beck, Marcio
Fonte: O Globo, 03/05/2012, Economia, p. 21

Para cientistas políticos e economistas, Dilma deu recado de que está fazendo sua parte

Ao criticar o sistema financeiro nacional, afirmando que não há justificativa para as taxas de juros cobradas no país, a presidente Dilma Rousseff buscou agradar a setor industrial e consumidores, ao mesmo tempo em que incentivou a opinião pública a pressionar os bancos privados pela redução dos juros. É o que afirmam especialistas ouvidos pelo GLOBO sobre o pronunciamento da presidente em cadeia nacional de rádio e televisão na véspera do Dia do Trabalho. Para o cientista político Marco Antônio Teixeira, da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP), Dilma procurou dar resposta às reivindicações da indústria por condições que viabilizem investimentos, e das centrais de trabalhadores por medidas que permitam o aumento da capacidade de consumo da população.

- O recado que ela está dando, no caso dos bancos, é que o governo está fazendo sua parte e que é preciso cobrar que outros segmentos façam a sua parte. O mais significativo neste episódio, acredito, é que o público ao qual as críticas foram endereçadas não emitiu resposta. Isso indica que o setor deve ter digerido pelo menos parte delas - explica Teixeira.

Economista diz que governo pede redução voluntária de lucro

O cientista político Marcus Ianoni, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), diz que é positivo que o governo busque colocar de maneira mais clara o que está sendo feito para mudar a situação de o Brasil ainda ser apontado como uma das maiores taxas de juros do mundo.

- O discurso indica que é necessário ter um sistema financeiro que empreste dinheiro a quem precisa, não que queira dinheiro fácil. Ela (Dilma) pode ter desagradado a uma minoria, mas sem dúvida agradou à indústria e aos consumidores e gerou uma expectativa de que os bancos privados ajam - avaliou Ianoni, para quem o pronunciamento pode ser interpretado como "aprofundamento" da postura do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva.

Teixeira, da FGV-SP, lembra que o discurso veio em seguida à ação do governo de usar os bancos públicos para forçar as reduções das taxas nos bancos privados ao longo do mês:

- Se fosse o Lula, seria apenas mais um pronunciamento, ele falava sobre os mais diversos temas em qualquer ocasião. A cobrança de Dilma é mais enfática porque ela não se expõe tanto. O comportamento dela tem sido de não se manifestar até que haja efetivamente um problema que precisa de resposta. A data comemorativa também foi escolhida porque estimula manifestações mais ousadas.

Segundo o economista Ruy Quintans, do Ibmec-RJ, a presidente fez um "apelo demagógico bem articulado".

- Ela se aproveitou do fato de que a macroeconomia não é um assunto que o brasileiro médio domine para usar a opinião pública como massa de manobra. No caso dos bancos públicos, as perdas financeiras com a redução dos juros podem ser contornadas com simples transferências do Tesouro. No caso dos bancos privados, o que se está pedindo é que os bancos, voluntariamente, diminuam suas margens de lucro ou reduzam suas captações.

"Setor não tem como explicar lógica perversa", diz Dilma

No pronunciamento, Dilma afirmou que o sistema bancário do Brasil está entre os que mais lucram no mundo, e que isso permite que os bancos ofereçam crédito "melhor e mais barato" aos brasileiros.

- O setor financeiro não tem como explicar essa lógica perversa aos brasileiros: a Selic baixa, a inflação permanece estável, mas os juros do cheque especial, das prestações do cartão de crédito não diminuem - disse ela.