Título: Longa parceria com Cachoeira
Autor: Braga, Isabel
Fonte: O Globo, 04/05/2012, O País, p. 3

Relator pede processo contra Demóstenes e mostra que ele há muito representava bicheiro

BRASÍLIA

TENTÁCULOS DA CONTRAVENÇÃO

No relatório de 63 páginas lido ontem no Conselho de Ética do Senado, em que pediu a abertura de processo por quebra de decoro contra Demóstenes Torres (sem partido-GO), o senador Humberto Costa (PT-PE) apresentou uma série de atos e ações do senador goiano para mostrar que ele defendia os interesses do bicheiro Carlinhos Cachoeira desde que chegou à Casa, em 2003. Costa usou os dados da atividade parlamentar de Demóstenes para comprovar que ele mentiu ao dizer que a relação com Cachoeira era apenas de amizade e que sempre teria militado contra a legalização dos jogos de azar.

Esse relatório preliminar, que surpreendeu a defesa do senador, deve ser votado no Conselho dia 8. Só depois da instauração do processo e da apresentação da acusação e da defesa, o relator Humberto Costa pedirá ou não a aplicação da pena máxima a Demóstenes, que é a perda do mandato.

A cassação já é considerada certa no Conselho de Ética, onde o voto é aberto. No plenário, a votação será com voto secreto. Ontem, Demóstenes esteve no plenário do Senado, mas não compareceu à sessão do Conselho.

Apesar de citar várias denúncias já publicadas na imprensa sobre o comprometimento de Demóstenes com o contraventor goiano, Humberto Costa preferiu explorar a atividade parlamentar do senador.

Com base em levantamento criterioso feito nos registros oficiais do Senado, o relator mostrou ações e pronunciamentos do senador que contradizem o que ele afirmou no último dia 6 de março, em discurso no plenário: que pratica militância contra os jogos de azar. Demonstrou, como já mostram as gravações da PF, que a relação entre Demóstenes e Cachoeira ultrapassava a simples amizade.

O relator transcreve trecho de discurso de 2003, no qual Demóstenes defende abertamente a legalização, sob o argumento de que o dinheiro arrecadado poderia ser usado para instituição do projeto Escola em Tempo Integral. "Não se trata de conjecturas ou interpretações, é o que está literalmente escrito", afirmou Costa no relatório. O relator lista ainda que, em 2004, Demóstenes votou contra a medida provisória editada pelo ex-presidente Lula, que proibia a exploração de bingos e máquinas caça-níqueis no país.

"Capacidade de antevisão"

Em outro trecho, com riqueza de detalhes, Humberto Costa destaca a atuação de Demóstenes, em 2003, para questionar a renovação do contrato entre a Caixa Econômica Federal (CEF) e a Gtech do Brasil, para operação da loteria: nove meses antes de vir à tona o vídeo em que Waldomiro Diniz, ex-assessor de José Dirceu, aparece pedindo propina a Cachoeira, o senador fez um requerimento de informações ao Ministério da Fazenda, sobre o contrato fechado entre a Caixa e a Getch.

Humberto Costa, tendo por base relatório da CPI dos Bingos, mostra que Cachoeira queria fazer negócio com a Gtech e contava com a ajuda de Waldomiro. Quando a negociação fracassou, no início de 2003, Demóstenes começa a agir no Senado. Em agosto de 2003, ele reclama, no plenário do Senado, que recebeu documentos da Fazenda "mutilados" e denuncia, então, irregularidade no contrato CEF-Gtech. Quando o vídeo veio à tona, o senador Álvaro Dias (PSDB-PR) elogia a "capacidade de antevisão de Demóstenes".

O relator pergunta: "O que balizou o requerimento, feito nove meses antes que os fatos se tornassem públicos? Qual o interesse de um senador da República em um procedimento licitatório que não possuía, àquele tempo, qualquer questionamento público? Quem estaria a par das tratativas não oficiais entabuladas?". E arrisca um palpite: "Tudo leva a crer que seriam os vínculos que já ligavam o senhor Carlinhos Cachoeira ao autor do requerimento: o senador Demóstenes Torres".