Título: Quase europeus
Autor: Moraes, Diego
Fonte: Correio Braziliense, 19/09/2009, Brasil, p. 14

Levantamento anual de amostra domiciliar do IBGE mostra um Brasil mais próximo das nações desenvolvidas: famílias menores, mais pessoas morando sozinhas e a população envelhecendo melhor

Cleomenes, 68 anos (ao centro), joga dominó com amigos na praça em frente de casa: ¿A qualidade de vida é bem melhor do que 20, 30 anos atrás¿

Carlos Moura/CB/D.A Press

O Brasil está menos rural e cada vez mais urbano. A população deixa o campo em direção aos grandes centros e isso se reflete nas características sociais e econômicas do país. É o que revela a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2008, divulgada ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De acordo com os dados, o país já tem 190 milhões de habitantes, as cidades cresceram e o número de postos de trabalho também ¿ assim como a quantidade de matriculados na escola. Os resultados dessa transformação são claros: de 2007 para 2008, os brasileiros envelheceram, as famílias diminuíram e o número de pessoas morando sozinhas cresceu.

Em 2008, o Brasil tinha 57,6 milhões de residências ¿ cerca de 1,8 milhão a mais do que no ano anterior ¿ e 12% delas eram habitadas por apenas uma pessoa. Em 2007, esse índice estava em 11,5%. De acordo com o IBGE, o aumento da renda média tem contribuído diretamente para o crescimento desse percentual nos últimos anos.

É o caso do consultour Vinicius Nader, de 31 anos. Com uma renda mensal em torno de R$ 3 mil, ele deixou a casa dos pais, no Lago Sul, para viver sozinho num apartamento de um quarto na 210 Norte. O planejamento começou há pouco mais de um ano. Mas a mudança só ocorreu mesmo em outubro do ano passado, após algumas boas sessões em frente à calculadora. ¿Pedi a ajuda do meu irmão, que é economista, e fizemos várias projeções para saber se eu conseguiria pagar as contas fixas¿, relembra.

Para não atrasar o aluguel de R$ 800 reais e as despesas domésticas, Nader diz que teve de abrir mão de certos hábitos. ¿Cortei muito os meus gastos com lazer. Mas valeu a pena porque consegui minha independência.¿ Antes de decidir pela mudança, o consultor morava com pai, mãe e um irmão. E a antiga casa dele agora tem três moradores ¿ outro reflexo apontado na Pnad.

Vez dos prédios

A média de pessoas por domicílio no Brasil recuou de 3,4 em 2007 para 3,3 em 2008. Pode parecer pouco, mas, para o IBGE, o dado aponta que a família brasileira está cada vez menor. Prova disso é que o número de casas com cinco moradores passou de 20,5% para 18,9% do total de residências particulares do país no mesmo período. A região Sul tem a menor média de moradores por domicílio, com 2,9 ¿ insuficiente, por exemplo, para a tradicional composição pai, mãe e um filho.

O Norte aparece com a maior: 3,8 pessoas por residência. No Centro-Oeste, esse número está em 3,1 conforme a Pnad. Com a diminuição do número de moradores em cada domicílio, a tendência, segundo o IBGE, é de que as cidades brasileiras sigam o retrato já observado em países desenvolvidos: moradias cada vez menores e proliferação de prédios residenciais em detrimento de casas nas cidades de grande e médio porte. De acordo com o instituto, 391 pessoas em 150 mil domicílios de todos os estados do país foram entrevistadas para a pesquisa.

EM BUSCA DE ESPAÇO O consultor Vinicius Nader, que agora faz parte do grupo de brasileiros que vivem sozinhos, explica a opção. ¿Deixei a casa dos meus pais porque queria um pouco mais de liberdade, queria o meu espaço, mas preferia não dividir com outra pessoa.¿ No espaço, com pouco mais de 50m², tem televisão, computador, um quarto com cama de solteiro, banheiro e uma cozinha razoavelmente equipada.

Cai número de filhos por casal

Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) reforçam a tendência de diminuição das famílias no Brasil. Se em 1960, cada mulher tinha, em média, 6,3 filhos, em 2008 elas reduziram esse índice para 1,89 filho. Foi a segunda vez que a taxa de fecundidade do país ficou abaixo dos dois filhos por mulher, que é considerado o nível mínimo de reposição populacional. Em 2006, eram dois filhos por mulher, e em 2007 a taxa caiu para 1,95. ¿As taxas de fecundidade são um dos fatores que contribuem diretamente para o envelhecimento da população¿, afirma a economista Adriana Beringuy, analista da Pnad.

E as estatísticas do IBGE confirmam essa tendência no Brasil. O grupo de pessoas com 40 anos ou mais foi o que teve maior aumento no país de 2007 para 2008. E a faixa de brasileiros com até 14 anos foi a que mais caiu. O Sul e o Sudeste concentram a população mais envelhecida, enquanto o Norte tem a estrutura etária mais jovem. O Distrito Federal registra um dos maiores aumentos no grupo de pessoas com mais de 40 anos: de 28,9% em 2007 para 30,45% em 2008, conforme a Pnad.

Uma delas é o aposentado Cleomenes Patrício, 68 anos. Em Brasília há 52 anos, casado e pai de quatro filhos, ele dedica boa parte do tempo ao dominó com os amigos na praça em frente de casa, no Cruzeiro. ¿A qualidade de vida é bem melhor do que 20, 30 anos atrás. Tenho uma boa aposentadoria, meus filhos já casaram. O bom mesmo é ficar aqui na praça, onde a gente conversa, joga um pouco. Se ficar em casa, a gente morre¿, reflete Patrício, que hoje mora apenas com a esposa. (DM)