Título: Rio+20 terá Aldeia Kari-Oca.com
Autor: Lima, Ludmilla
Fonte: O Globo, 04/05/2012, Rio, p. 26

Líderes indígenas do Brasil e do exterior vão se reunir em Jacarepaguá, conectados com nações de outras partes do mundo

Quer saber como funciona uma aldeia global, onde todos têm igual chance de participar graças às tecnologias da informação? Utopia ou realidade, o fato é que, durante a Rio+20, o conceito do filósofo Marshall McLuhan será exercido na prática por 400 indígenas brasileiros e outros 1.200 estrangeiros, vindos de países tão diferentes como Etiópia e Estados Unidos. Nos dias da conferência das Nações Unidas sobre desenvolvimento sustentável (Rio+20), de 13 a 22 de junho, eles participarão de debates ligados às questões ambientais em cinco ocas superconectadas, que serão montadas na Colônia Juliano Moreira, em Jacarepaguá, como noticiou a coluna Gente Boa. A aldeia, chamada Kari-Oca, é uma reedição da que foi erguida, também em Jacarepaguá, para a Rio 92.

O líder indígena Marcos Terena, que está à frente da organização da Kari-Oca pelo Comitê Intertribal, revela que a aldeia terá duas ocas especiais: uma eletrônica, high-tech, e uma da sabedoria, dedicada aos principais líderes espirituais indígenas do mundo, que ali discutirão temas no campo da sustentabilidade e da economia verde.

- A oca das tecnologias eletrônicas terá o índio usando a tecnologia como um utilitário, e não como bem de consumo - diz Terena, líder da Reserva Indígena de Taunay (Pantanal) e um dos fundadores do Movimento Indígena Nacional, ao explicar a concepção do espaço, que terá computadores e equipamentos para que índios navajos, do Arizona, possam participar dos debates mesmo estando nos Estados Unidos. - Não basta colocar computador na oca. Tem que gerar conteúdo.

Os 400 índios brasileiros que virão à cidade para a Rio+20 integram 25 nações. Do exterior, entre os grupos esperados, estão os maias, da América Central, os miskitos, da Nicarágua, e índios do Canadá.

Por fora, as ocas serão iguais às dos povos do Alto Xingu. Mas a sua construção contará com algumas novidades que estão sendo planejadas, como o uso de material renovável produzido aqui mesmo no Estado do Rio. Só a parte estrutural das cabanas, afirma Terena, será trazida do sul do Pará:

- As madeiras dos arcos das ocas terão que vir do Alto Xingu. Mas vamos usar tudo que pudermos de material reaproveitável do Rio para prestigiar e contribuir com a moradia do homem branco.

Pelo menos três ocas, entre elas a arena, serão totalmente típicas, sem o uso de um prego sequer. Já se sabe que a eletrônica terá que ser mista.

A programação já prevista para acontecer na Kari-Oca inclui o lançamento oficial dos primeiros Jogos Mundiais Indígenas, com a assinatura de um protocolo entre 16 países. Aproveitando a onda dos Jogos Olímpicos de 2016, Terena conta que o movimento indígena pretende sensibilizar o prefeito Eduardo Paes para que os jogos aconteçam no Rio no ano que vem. O evento, que tem como motivo a celebração, e não a simples competição, e já tem o apoio do Ministério do Esporte, contará com jogos tradicionais indígenas, como corrida de tora, futebol de cabeça e travessia de rio a nado. Piscina, nem pensar.

Na Kari-Oca também devem ocorrer atividades diversas, sempre dentro da temática da Rio+20, como saraus com artistas envolvidos na causa e poetas indígenas brasileiros e estrangeiros. Há intenção de se criar um sistema de coleta de lixo na região da Colônia Juliano Moreira envolvendo índios e moradores da área. A pedido dos caciques que virão ao Rio, eles serão levados até a sede de um outro "cacique" - o de Ramos -, na Zona Norte, para conhecer o prestigiado bloco de carnaval.

- Será um encontro histórico - prevê o líder Terena.

Na tentativa de fumar o cachimbo da paz com o prefeito para a instalação da Kari-Oca, Paes ganhará de presente uma "borduna de chefe" (espécie de lança de madeira). A pouco mais de 30 dias da Rio+20, Terena diz que o momento agora é de correr atrás de apoio da iniciativa privada e dos governos para que a aldeia saia do papel.

Após visitarem na tarde de ontem a Colônia Juliano Moreira e a Quinta da Boa Vista (onde ficará o acampamento da Cúpula dos Povos), Terena e outros índios foram recebidos pelo prefeito Eduardo Paes, que disse aprovar a ideia de realizar no Rio a primeira edição dos Jogos Mundiais Indígenas:

- Além de sediar a aldeia na Colônia Juliano Moreira, a prefeitura quer mais: quer trazer os Jogos Mundiais Indígenas para a cidade - disse o prefeito, que também garantiu ajuda na infraestrutura da Kari-Oca.

O índios ainda conversaram com Paes sobre o desejo de visitar algumas favelas e de conhecer experiências positivas no Rio na área da sustentabilidade. O encontro, no gabinete do prefeito, foi acompanhado por um pajé, que comandou um ritual de agradecimento pelo apoio à causa indígena.