Título: Aplauso a Lula, cobrança a Dilma
Autor: Bruno, Cassio
Fonte: O Globo, 05/05/2012, O País, p. 3

Em meio a muitas homenagens e aplausos a seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, a presidente Dilma Rousseff passou por duas saias-justas ontem pela manhã, durante a cerimônia que outorgou o título de doutor honoris causa a Lula, no Teatro João Caetano, no Centro do Rio. Uma delas foi imposta pelo reitor da Universidade Federal Fluminense, Roberto Salles, que, em seu discurso, queixou-se do salário dos professores e pediu a Dilma que aumentasse os recursos para as universidades. A outra, logo no início, foi protagonizada pela mestre de cerimônias do evento, a atriz Camila Pitanga. Antes de anunciar a entrada do homenageado, ela surpreendeu uma sorridente Dilma e pediu o veto ao novo texto-base do Código Florestal, aprovado na Câmara, que anistia desmatadores. O projeto aguarda sanção presidencial para entrar em vigor.

- Vou quebrar o protocolo só um instante para fazer um pedido: veta, Dilma - pediu Camila, que repetiu o slogan que tem tomado as redes sociais e foi muito aplaudida pela plateia de estudantes, acadêmicos e políticos que lotaram o teatro.

Já o reitor da UFF cobrou em seu discurso o aumento salarial do magistério e a consolidação do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni).

- Não podemos aceitar que nem o mínimo de R$ 1.400 para o professor da rede pública, previsto no Fundeb, esteja sendo acatado pelos governos dos estados e dos municípios. É inaceitável também que um professor titular de final de carreira e com dedicação exclusiva receba em torno de R$ 11 mil. Por sua vez, um advogado da União ou um auditor fiscal recebe no início de carreira R$ 14 mil - protestou.

Salles também pediu à presidente um repasse de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) para a educação, meta que hoje não faz parte do Plano Nacional de Educação (PNE):

- Para atender toda a demanda do PNE, presidenta, temos que apoiar o repasse mínimo de 10% do PIB para a educação até 2020.

Enquanto isso, do lado de fora do teatro, um grupo de alunos da UFRJ protestava contra a universidade. Com cartazes em que pediam a oportunidade de também se tornarem doutores, eles acusavam a universidade de abandonar o curso de Medicina aberto em 2007 na cidade de Macaé. Nem a presidente Dilma, que não discursou, nem Lula comentaram os protestos.

O ex-presidente recebeu o título, que corresponde a um doutorado em Ciências Humanas, de cinco universidades públicas fluminenses - Unirio, Uerj, UFF, UFRJ e Universidade Federal Rural do Rio (UFRRJ). Em um discurso de pouco mais de 20 minutos - interrompido por piadas e brincadeiras -, um Lula emocionado, mas muito mais disposto do que no dia anterior, agradeceu a homenagem e lembrou o colega José Alencar, ex-vice-presidente que morreu em março do ano passado.

Lula lembrou que tanto ele quanto Alencar não tiveram um diploma de ensino superior, mas que, segundo ele, investiram mais do que outros na educação.

- Nós sempre acreditamos no poder libertador do conhecimento - afirmou Lula, antes de listar as realizações de seu governo no setor.

Ao deixar o hotel onde estava hospedado em Copacabana, na Zona Sul, Lula apareceu usando a bengala que ostentou anteontem em um evento no BNDES. Ao subir ao palco do teatro para receber a homenagem, porém, o ex-presidente deixou o apoio de lado. Ele estava mancando e foi amparado por professores e, alguns momentos, pela própria presidente Dilma. Neste momento, a plateia gritava "Lula, guerreiro do povo brasileiro", e a presidente se emocionou, não contendo as lágrimas.

Elogio ao Rio e citação a Haddad

Lula agradeceu ao Rio por tratá-lo tão bem e disse que se sente em casa quando está na cidade. E, nesse momento, fez um elogio indireto ao governador Sérgio Cabral, que, mais uma vez, não discursou e evitou os jornalistas.

- O que me deixa feliz é essa nova época que o Rio está vivendo. Os cariocas e fluminenses recuperaram a autoestima, voltaram a ter lideranças políticas e administrativas capazes de enfrentar e resolver os problemas crônicos do estado e da cidade - disse.

O ex-presidente exaltou as parcerias firmadas com Cabral durante seu mandato:

- Em parceria com o governo federal, o Rio de Janeiro tem cada vez mais sucesso no combate à criminalidade e nas diversas iniciativas de inclusão social. Além disso, os fortes investimentos industriais e de infraestrutura estão fazendo com que o Rio se coloque novamente na vanguarda econômica e tecnológica do Brasil - disse Lula, ao lado de um sorridente Sérgio Cabral.

O governador, que enfrenta acusações pela ligação com o empresário Fernando Cavendish, dono da construtora Delta e um dos alvos da CPI do Cachoeira, evitou manifestações negativas ao subir ao palco ao lado de Dilma, muito aplaudida. Cabral entrou e saiu pelos fundos do teatro com Dilma e Lula; após a cerimônia, ofereceu aos dois almoço no Palácio Laranjeiras.

Dezenas de autoridades prestigiaram o ex-presidente. Além do prefeito Eduardo Paes e dos ministros Aloizio Mercadante (Educação) e Marco Antonio Raupp (Ciência e Tecnologia), estavam presentes ex-ministros, senadores e deputados, além do ex-ministro da Educação Fernando Haddad, pré-candidato a prefeito de São Paulo pelo PT e único citado por Lula.