Título: Voto define quem dirigirá França na crise
Autor:
Fonte: O Globo, 06/05/2012, Opinão, p. 6

François Hollande e Nicolas Sarkozy disputam hoje o segundo turno das eleições presidenciais na França, encerrando o primeiro round de uma luta política que só terá seu desfecho no pleito legislativo, que renovará completamente a Assembleia Nacional em junho. Alguns chegam a aludir a um "terceiro turno", pois os partidos continuarão em campanha, e a correlação de forças no Legislativo é decisiva para a margem de manobra do presidente da República.

Mas a escolha do chefe do Executivo não é pouco relevante, claro. Ela sinaliza o fim da fase dos discursos de palanque e o início da vida real. Qualquer que seja o eleito - e o favoritismo pende para o socialista de oposição Hollande -, ele terá de buscar uma nova frequência para seu discurso e ação, em sintonia com a responsabilidade de dirigir um dos grandes países europeus, a segunda maior economia da zona do euro, num momento tão delicado como o atual, em que não só a moeda única, como a própria União Europeia, jogam seu futuro.

Hollande terá de submeter suas propostas à realidade da crise do endividamento do setor público, que já fez a França perder a avaliação de risco AAA por parte da agência Standard & Poor"s. O socialista promete a criação de um banco de investimento público e fazer das pequenas e médias empresas uma prioridade de governo. Outra promessa é uma reforma fiscal que aumentaria de 45% para 75% a alíquota do imposto para os que ganham mais de 1 milhão de euros por mês. Não se discute que o fomento às PME é um bom caminho para aumentar a oferta de empregos (o número de desempregados no país é o mais alto desde 1999 - 2,9 milhões de pessoas). Nem que seja preciso elevar a arrecadação, mas é preciso avaliar se um aumento nessa escala não causará fuga de investidores.

Caso Sarkozy consiga inverter o jogo e se reeleger, deverá recolher as suculentas iscas que jogara no lago da extrema-direita para pescar votos - a Frente Nacional de Marine Le Pen se cristalizou no primeiro turno como a terceira força política francesa. E abandonar o discurso do nacionalismo, da linha dura contra a imigração, da defesa das fronteiras que bruscamente adotara no final da campanha. Afinal, o presidente Sarkozy é ou foi o maior aliado da Alemanha na defesa das conquistas da União Europeia e do pacto fiscal firmado por 25 países, em março, como principal instrumento para convencer os mercados de que a UE está firmemente comprometida com a redução do endividamento e o reequilíbrio orçamentário.

O vencedor precisará adotar medidas para aumentar a produtividade da economia francesa, hoje bem atrás da alemã, e a eficiência do Estado, que ocupa amplas esferas da vida do país. Não é fácil. Significa estimular a concorrência, o que envolve reduzir custos trabalhistas e enfrentar os sindicatos, e podar excessos burocráticos e de pessoal na máquina estatal. Reformas no estado de bem-estar social são inevitáveis.

Algum alívio surgiu no horizonte com as declarações da diretora-gerente do FMI, Christine Lagarde, do presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, e da própria chanceler alemã, Angela Merkel, na linha de que a austeridade sozinha não conseguirá tirar a Europa do atoleiro. Mas ela é inevitável. Sejam quem for o vitorioso.