Título: Sorte e mitologia, outras armas do Fisco
Autor: Oswald, Vivian
Fonte: O Globo, 06/05/2012, Economia, p. 39

BRASÍLIA. Nas investigações da Receita, não bastam bons equipamentos com tecnologia de ponta, informações confiáveis e técnicas de espionagem. A sorte tem sido importante. Todos se lembram do agente que, depois de sonhar com um fundo falso, procurou-o até chegar a uma sala inteira com assoalho falso cheio de dinheiro. Outro caso que já faz parte do anedotário da Inteligência do Fisco é o do pedreiro que serviu de testemunha em um flagrante. Nervoso por ter sido tirado do trabalho e acabar se envolvendo em uma investigação da Receita e da polícia, o operário batia os pés no chão enquanto aguardava ser liberado. Esse gesto involuntário ajudou a revelar o esconderijo de maços e maços de dólares. Pelo barulho no piso oco, o pedreiro percebeu que havia algo errado ali e rapidamente informou os agentes.

Outra curiosidade reside na escolha dos nomes das missões especiais. Escolhidos a dedo, eles têm sempre relação com o foco das investigações. Não há ninguém especialmente responsável pelo batismo dos casos, mas geralmente os grupos regionais a cargo das missões assumem a tarefa, que precisa do aval da sede em Brasília.

A ordem é não repetir e evitar polêmicas. Na semana passada, um nome de santo teve de ser censurado. Expressões pejorativas também são vetadas. A Operação Hiena, de 2011, desarticulou uma quadrilha acusada de fraudar declarações do IR. A explicação: a hiena é o único animal que desafia o leão. Inspirada na mitologia grega, a Operação Apate desbaratou quadrilha que desviou R$ 70 milhões forjando declarações de funcionários fantasmas em prefeituras em Goiás, Tocantins, Mato Grosso, Pará e Minas Gerais. Apate era um espírito que personificava o engano e a fraude. E a Operação Gárgula chegou a um esquema de desvio de pelo menos R$ 150 milhões em verbas federais repassadas a prefeituras cearenses em 2009. A sangria de dinheiro público foi associada às gárgulas, usadas nas igrejas da Idade Média para escorrer a água das chuvas.

Já a Marcação Cerrada, deflagrada em Brasília no último dia 11 de abril, pegou mais de 1.500 contribuintes que apresentavam informações falsas de pensão alimentícia, despesas com saúde e pagamento de previdência privada. Havia até a declaração de uma menina de 9 anos com gastos com pensão alimentícia. Os prejuízos aos cofres públicos foram estimados em R$ 30 milhões.

Outro problema é reincidência. Muitas vezes os sonegadores não são punidos porque o pagamento dos tributos não foram recolhidos apaga o crime. Além disso, as pessoas presas em operações da Inteligência não ficam por muito tempo na cadeia, mas a Receita ressalta que a parte criminal não é de sua alçada. (Vivian Oswald)