Título: O desafio de reerguer e reunir o país
Autor: Eichenberg, Fernando
Fonte: O Globo, 06/05/2012, O Mundo, p. 46

Após uma longa campanha que chega ao dia decisivo com ares de indefinição fomentados pela redução da margem do socialista François Hollande, líder em todas as pesquisas, sobre o conservador Nicolas Sarkozy - que busca a reeleição - nas últimas pesquisas, os franceses enfim saberão hoje à noite quem será o presidente da República pelos próximos cinco anos. O vitorioso nas urnas terá de administrar uma economia em crise, com um índice de desemprego rondando os 10%, um crescimento estimado em até 0,7% em 2012, e um país socialmente fraturado.

Se as dificuldades econômicas contribuem para que Sarkozy possa se tornar mais um da longa lista de líderes europeus derrotados pela crise, um de seus principais efeitos colaterais, a exacerbação do nacionalismo, é um dos trunfos do presidente para não se tornar o primeiro governante francês a não conseguir a reeleição nos últimos 30 anos.

Para o economista e analista político Christian Saint-Etienne, o principal desafio para o próximo quinquênio presidencial, seja ele comandado por Hollande ou Sarkozy, será o da "reconstrução da competitividade" para a redução do elevado déficit externo do país.

- Não podemos continuar com um déficit de 70 bilhões. Para enfrentar esta questão, que vai assombrar os primeiros meses do próximo presidente, Sarkozy aposta na baixa dos custos de produção, e Hollande pretende investir na inovação. O problema é que a inovação só apresenta resultados num prazo de dez anos, e não podemos esperar tanto. Se eleito, Hollande será obrigado a alterar seu plano de recuperação - avalia.

Na análise de Daniel Boy, do Instituto de Estudos Políticos de Paris, além das urgentes dificuldades econômicas, há um importante desafio de médio prazo.

- Estamos hoje numa sociedade com quase 18% dos votos para a extrema-direita de Marine Le Pen (Frente Nacional), e outros 11% para a esquerda radical de Jean-Luc Mélenchon (Frente de Esquerda) - nota, em referência aos resultados do primeiro turno, duas semanas atrás. - Ou seja, um terço das pessoas está contra o sistema, não está convencido de que os dois principais partidos que participam do poder são capazes de governar, e isso não é muito fácil de administrar. É uma situação política bastante complicada.

O analista aponta que o cenário não é totalmente estranho para a França - vide os 20% de votos constantemente alcançados pelo Partido Comunista Francês (PCF) nos anos 1980 - mas nota a excepcionalidade da presença simultânea de "uma extrema-direita e de uma extrema-esquerda de nível elevado".

- Há outros países europeus em situação semelhante, com o aumento de um populismo que não se transforma em demanda política explícita. São partidos populistas que atingem entre 15% e 20% do total de votos, representando uma parte da população que não aceita o que se passou nos últimos 20 anos: a União Europeia, o Tratado de Maastricht (que transformou o projeto de uma comunidade econômica europeia numa união política dos países do continente). É difícil exercer o poder numa conjuntura de forte contestação - diz Daniel Boy, que aponta a conjunção de um problema "ideológico e político" com a perda do poder de compra e de soberania nacional.

Eleitores cobram olhar para fora

Independentemente de qual for o presidente eleito, o comerciante Jean-Pierre, 52 anos, tem uma ideia pronta do país que deseja:

- Eu quero uma França apaziguada, bem representada no mais alto nível de Estado. Quero uma França que respeite a Constituição da 5 República. Nos últimos anos as instituições foram desprezadas. E o país foi dividido. O que faz lembrar a expressão "dividir para governar".

No aspecto econômico, acredita que é preciso uma "mudança de mentalidade", reindustrializar a França e limitar o endividamento do país.

- Necessitamos deixar uma margem de crescimento no nível europeu, do contrário não chegaremos a lugar algum. Para lutar contra o mercado financeiro especulador, pode-se imprimir moeda, mesmo que isso aumente um pouco a inflação - afirma.

Nas questões de sociedade, Jean-Pierre vai na contramão do pensamento dominante, que atribui boa parcela dos atuais problemas franceses à constante chegada de novos imigrantes ao país. Sarkozy fez da defesa de restrições à imigração a principal plataforma para cortejar os eleitores de Marine Le Pen, e com isso conseguiu diminuir a diferença para Hollande. Na sexta-feira, uma pesquisa do instituto Ifop deu 52% das intenções de voto para Hollande e 48% para Sarkozy - logo após o primeiro turno, a vantagem do socialista estava na casa de dois dígitos.

- Não existe um problema de imigração. Quem quer que acredite nisso são pessoas medrosas. E com medo se cometem erros de julgamento. Existe, sim, um problema de integração. Os subúrbios se transformaram em verdadeiros guetos - critica o comerciante.

Para o médico aposentado Robert Descloitres, 84 anos, os franceses "estão vidrados em si mesmos".

- Não soubemos construir, como se esperava, os Estados Unidos da Europa. Pouco a pouco esta ideia regrediu, e hoje vemos a progressão de um partido nacionalista aqui. Há um sinal de estupidez nisso, no renascimento desta larva de fascismo, na Europa e aqui na França.

Já a dona de casa Lisette, 63 anos, acredita que em primeiro lugar na lista de prioridades do próximo presidente deve estar a luta contra o desemprego. Mas os problemas, segundo ela, não param na falta de trabalho.

- Tenho um filho que vai mal na escola, e os professores dizem para ele ir trabalhar com o pai! Já os bancos antes usavam parte do dinheiro que ganhavam para investir em pesquisa, e hoje guardam tudo para si. E é preciso também botar os ricos para trabalhar. E, além disso, é preciso pensarmos mais como europeus, pois hoje só pensamos como franceses. Mas no final de tudo, acho que a França será salva - conclui, em um pouco comum tom de otimismo.

"Temos de fazer melhor que o Brasil"

Enquanto atende seus clientes, o açougueiro Renard, 60 anos, explica seu receituário para o país e queixa-se do excessivo corporativismo francês:

- Muita gente não trabalha e recebe dinheiro para isso. Pelo menos 15% dos desempregados não trabalham porque não querem, e não por falta de emprego. Os sindicatos e associações deveriam ser suprimidos, há demais. Cria-se associação para tudo neste país!

Por sua vez, Michel, um professor de 48 anos, crê que a solução para a França é simples: a ainda quinta maior economia mundial tem de se inspirar nos exemplos daquela que recentemente chegou ao sexto lugar.

- Temos de fazer melhor do que o Brasil! Mas não será fácil, porque teremos de rejuvenescer um velho país. Mas eu sou otimista. Essa onda de "declinismo" é ridícula. Somos um país com vários recursos. E como diz o ditado: "É nas velhas panelas que se fazem as melhores sopas".