Título: Réu no Conselho de Ética
Autor: Braga, Isabel; Celso Pereira, Paulo
Fonte: O Globo, 09/05/2012, O País, p. 3

O PRESIDENTE da Comissão de Ética do Senado, Antonio Carlos Valadares, e o relator Humberto Costa comandam a sessão que abriu processo contra Demóstenes

Ailton de Freitas

TENTÁCULOS DA CONTRAVENÇÃO

Por unanimidade, o Conselho de Ética do Senado aprovou ontem a abertura de processo por quebra de decoro parlamentar contra o senador Demóstenes Torres (sem partido-GO), que poderá resultar na cassação de seu mandato. Mas Demóstenes ainda tem garantidos pelo menos mais dois meses de mandato. Mesmo com a negativa do conselho em atender ao pedido de mais dez dias de prazo para a defesa, a tramitação do processo deverá se arrastar até meados de julho, quando está previsto o julgamento final em plenário, antes do início do recesso parlamentar, dia 17.

O resultado no conselho, 15 votos a zero, não é garantia de derrota para Demóstenes no plenário. Como o voto é secreto, o resultado da votação no plenário de um provável pedido de cassação é imprevisível. E o histórico da Casa também é favorável: até hoje, apenas um senador teve seu mandato cassado, Luiz Estevão (DF).

Demóstenes, que não compareceu à sessão, será processado com base nas alegações do relator do caso, senador Humberto Costa (PT-PE), de que o senador goiano pôs o mandato a serviço do contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira.

- Vamos torcer para que seja o mais rápido possível, pois, quando se trata de cortar na carne, se não for rápido, a dor se torna insuportável. Para todos nós, colegas senadores, é muito desagradável. A ideia é concluir todo o processo antes do recesso parlamentar, marcado para 17 de julho - afirmou o presidente do conselho, Antonio Carlos Valadares (PSB-SE).

Para defender a abertura do processo, além de fazer referência às denúncias já divulgadas pela mídia, o relator recorreu a ações e discursos de Demóstenes para provar que ele mentiu aos senadores quando disse que era apenas amigo do bicheiro. Costa mostrou que Demóstenes defendeu interesses de Cachoeira no Congresso e militou em favor da legalização dos jogos de azar no país.

Amanhã, o Conselho de Ética faz a primeira reunião para definir o calendário de trabalhos. Entre os depoimentos estão previstos o do próprio Cachoeira, que deve acontecer no dia 28. A ida do contraventor ao conselho foi pedida tanto pela acusação quanto pela defesa.

"Não vamos fazer uma CPMI paralela"

Cauteloso, o relator ainda estuda a possibilidade de convidar delegados e integrantes do Ministério Público que participaram da investigação sobre os negócios e as relações do contraventor com os políticos.

- Não vamos fazer aqui uma CPMI paralela. Até o fim de junho pretendo ter um relatório pronto. Não vamos permitir que o Conselho de Ética se transforme em um show - disse Humberto Costa.

A sessão do conselho durou cerca de duas horas, e, apesar da presença de quase 20 senadores, poucos se manifestaram. O tucano Álvaro Dias (PR), ao contestar o pedido de mais prazo da defesa, afirmou:

- A esta instituição interessa celeridade no esgotamento desse assunto, já que a instituição não pode continuar sangrando por muito tempo.

- Aqui não é uma casa de amigos, aqui é a casa de guarda da Constituição. E a Constituição é clara e rigorosa quando trata do decoro parlamentar. As evidências políticas dão conta inequivocadamente da quebra do decoro parlamentar por parte do senador Demóstenes Torres - disse o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), que apresentou o requerimento no conselho.

Além de Cachoeira, o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, também quer que o conselho ouça o advogado Ruy Cruvinel, que chegou a ser apontado como denunciante de relações entre o senador e a máfia dos caça-níqueis, mas fez um desmentido público. A defesa também pediu perícia nas gravações divulgadas até agora, por suspeitar que foram editadas.

- Vieram novas acusações, tínhamos direito a apresentar nova defesa. Tenho a convicção de que tenho direito a recorrer ao STF, mas a decisão é do senador Demóstenes. Pedi mais prazo, mas nunca tive a ilusão de ganhar. O senador enfrenta um massacre político, e o argumento de alguns senadores foi o de que precisaram dar uma resposta à sociedade - disse Kakay, na sessão.

O presidente Antonio Carlos Valadares reagiu:

- O que faz a defesa é apegar-se a um aspecto específico para tentar postergar ao máximo a apreciação da representação.

Após a aprovação do relatório final do conselho, o processo ainda vai à Comissão de Constituição e Justiça, para verificar se todos os preceitos constitucionais foram atendidos, e, em seguida, ao plenário da Casa.