Título: Acesso à informação pode não ocorrer
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Fonte: O Globo, 10/05/2012, Opinião, p. 6

Proposta pela Controladoria-Geral da União (CGU) e remetida ao Congresso em 2009, a Lei de Acesso à Informação conseguiu superar uma complicada tramitação, teve aprovação final no Congresso dois anos depois e, às vésperas de entrar em vigor, corre risco de ser uma grande frustração, mais uma lei que não "pega".

Do ponto de vista formal, com ela o Brasil se aproxima da modernidade de uma democracia de peso. Sai do grupo da maioria dos países - apenas 50 permitem acesso público aos arquivos oficiais - em que documentos essenciais para a História, e mesmo o julgamento de atos de autoridades do presente no manejo de recursos públicos, ficam trancafiados para sempre.

No Senado, o projeto enfrentou grande resistência de dois ex-presidentes da República, Fernando Collor (AL) e José Sarney (AP), contrários à abertura total de arquivos de governos, mesmo em futuro distante (50 anos). A oposição foi superada, o projeto terminou aprovado na versão recebida da Câmara - sem confidencialidades eternas - e entrará em vigor na quarta-feira da próxima semana, dia 16.

Num país em que lei pode não valer, começa nova luta para que de fato a sociedade tenha acesso livre às informações sob a guarda do Estado. O próprio chefe da CGU, Jorge Hage, está pessimista com o despreparo dos estados e municípios para cumprir a lei. Mesmo no caso do Executivo federal, em que a CGU é incumbida de preparar a máquina administrativa para obedecer às novas normas, Hage admite que nem tudo estará pronto para atender à demanda por abertura de arquivos.

Já nos estados e municípios o despreparo deverá ser grande. Embora haja o entendimento de que a lei é autoaplicável, governadores e prefeitos entenderiam que apenas a partir de decretos locais o acesso aos arquivos estará permitido. É possível que unidades da Federação com mais recursos possam prestar um serviço melhor que outras, menores e menos ricas. Mas, em geral, configura-se um quadro em que a antiga cultura do "segredo de Estado" se junta à leniência clássica da burocracia pública, e a interesses políticos do varejo, para sabotar a Lei de Acesso à Informação.

O Estado brasileiro tem longa tradição cartorial e de falta de transparência. Até mesmo nas estatísticas das contas públicas, por exemplo, nem tudo é revelado. Desde que o Palácio passou a injetar bilhões de reais no BNDES captados por meio de títulos, logo, via aumento da dívida pública, pede-se para se conhecer o subsídio implícito nessas operações. Afinal, o Tesouro paga taxa Selic (hoje, 9%) na captação, repassa o dinheiro ao BNDES, e este o empresta a juros bem mais baixos. A diferença é paga pelo contribuinte, que continua sem saber o tamanho da conta.

Mesmo nas experiências de abertura de dados, o resultado deixa a desejar. O Sistema de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi), janela de acesso à execução do Orçamento, não atende à necessidade de uma fiscalização efetiva da administração do dinheiro público. É de acesso restrito e ainda usa tecnologia arcaica.

São vários os exemplos de como o Estado é uma robusta caixa-preta. A Lei de Acesso à Informação é uma chave para abri-la. Mas, se a sua aplicação não for fiscalizada, será mais uma letra morta.