Título: Pressa só em benefício próprio
Autor: Torres, Izabelle
Fonte: Correio Braziliense, 20/09/2009, Política, p. 3

Projetos anticorrupção estão parados há anos na Câmara

Para o juiz Marlon Reis, políticos perderam a noção da importância de realmente representar a população

O esforço dos parlamentares para aprovar em poucos dias a reforma eleitoral, que manteve as doações ocultas a candidatos e amenizou as já frágeis regras sobre prestação de contas, em nada se parece com o empenho para votar projetos que poderiam criar barreiras à corrupção. O Correio encontrou 64 textos destinados a reduzir crimes relacionados ao mau uso do dinheiro público que dormem há anos nas gavetas de comissões e do plenário.

São propostas que estabelecem normas rígidas para a liberação de recursos, cobram mais transparência nos gastos, aumentam punições para agentes corruptos e propõem rigor redobrado em casos de lavagem de dinheiro e crimes eleitorais. Pelo menos 15 dos textos, apesar de terem sido apresentados há anos, nem sequer receberam relatores. Além disso, há outros 20 projetos esperando parecer do relator. Alguns estão nas mãos de parlamentares há mais de dois anos.

À espera da análise do deputado Ricardo Berzoini (PT-SP), por exemplo, está o PL 1538/2007, de autoria do deputado Alexandre Silveira (PPS-MG). A proposta estabelece novas regras para o financiamento de campanhas eleitorais e restringe o leque de possibilidades de doações. Desde agosto de 2007, o petista está com a proposta sob sua responsabilidade e nunca emitiu parecer. Mas é na fila para entrar na pauta do plenário que as propostas anticorrupção estancam em maior número. Lá estão enfileirados pelo menos 25 projetos que poderiam, por exemplo, instituir penas mais severas a corruptos.

Todas estão prontas para serem votadas, mas têm esbarrado na falta de interesse político dos legisladores. É o caso do PL 27/1995, de autoria do ex-deputado Coriolano Sales (PDT-BA), que aumenta para seis anos o prazo de inelegibilidade e acaba com a chance de candidaturas de políticos investigados pelo Judiciário por atos de corrupção durante gestões públicas. Na Casa onde 41% dos integrantes têm algum tipo de pendência judicial, a proposta está emperrada no plenário desde 2001.

¿O problema é que os parlamentares perderam a noção da importância de cumprir a representatividade popular. Eles votam apenas o que lhes interessa sem nenhum constrangimento. É por isso que as propostas anticorrupção não caminham, enquanto a reforma eleitoral que só serviu para criar proteção para eles foi votada a toque de caixa¿, diz o juiz eleitoral Marlon Reis, coordenador do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral.

Oportunismo

Boa parte das propostas foi apresentada em resposta a crises políticas. Passado o clímax da crise, caíram no esquecimento. Em 2007, quando eclodia o escândalo do mau uso dos cartões corporativos pelo governo federal, cinco projetos tratando do tema foram apresentados. Estabeleciam normas mais rígidas para o uso desse meio de pagamento. Na época, receberam relatores rapidamente e uma promessa das comissões de empenho nas análises. Mas o tempo passou, as denúncias cessaram e até hoje quatro desses relatores nem sequer apresentaram seus pareceres.

Tratamento semelhante tiveram os projetos que propunham a proibição do nepotismo na administração pública. Em maio de 2008, os deputados colocaram uma proposta na pauta e iniciaram as discussões em primeiro turno. O tema, no entanto, nunca voltou a ser debatido. O Supremo, por sua vez, não apenas proibiu a prática como editou uma súmula normatizando o assunto. ¿Isso é o resultado da lacuna que existe entre a sociedade e seus representantes. Não se votam as propostas anticorrupção porque não interessa aos políticos. Até porque parte desses projetos é apresentada em clima de euforia. Se ganha um espaço na mídia e depois se esquece de brigar pelas propostas. Uma pena, porque quem perde é o país¿, diz o juiz Marlon Reis.

Gaveta recheada

Exemplos de temas à espera de uma decisão dos parlamentares

Aumento de penas para crimes de corrupção Pelo menos 13 propostas estão paradas. Apesar de a maioria ser datada de 2005, algumas ainda aguardam indicações de relatores

Tipificaçao de crimes de corrupção Há pelo menos cinco propostas. Três delas foram aprovadas pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, mas há dois anos aguardam para entrar na pauta do plenário

Nepotismo Duas propostas tramitam sobre as proibições para contratação de parentes. Uma delas chegou a ser discutida em primeiro turno na Câmara, mas foi esquecida logo depois.

Regras rigorosas para a liberação de recursos públicos Cinco propostas apresentadas entre 2005 e 2008 dormem nas comissões. Uma delas, a 1292/1995, de tão esquecida na CCJ recebeu nove requerimentos pedindo o desarquivamento, apesar de nunca ter sido arquivada

Combate à lavagem de dinheiro Sete propostas apresentadas entre 2003 e 2006. Todas estão paradas nas CCJs das duas Casas

Inelegibilidade É tratada em pelo menos seis projetos. Um está pronto para ser votado em plenário há mais de sete anos

Campanha inglória

O descaso da Câmara com as propostas anticorrupção é criticado até por parlamentares. Discursos vazios e ações paliativas em resposta aos escândalos são os principais erros das Mesas que comandaram a Casa nos últimos anos, segundo o deputado Francisco Praciano (PT-AM). Autor de quatro projetos que pretendem combater atos ilícitos com dinheiro público e integrante da Frente Parlamentar de Combate à Corrupção, o petista se queixa da suposta omissão da Mesa atual.

Diz ainda que a frente parlamentar, que ganhou a mídia quando lançada, hoje tem apenas quatro deputados. ¿Somos poucos. Quando lançaram, eram quase 100 deputados. Nossos debates agora são com órgãos de fiscalização e com a sociedade. Parece que perderam o interesse por esses temas.¿ Segundo o petista, nem medidas simples que simbolizassem ao menos algum interesse do Parlamento em fazer caminhar projetos anticorrupção foram tomadas pela Mesa Diretora.

Desde 2007, o petista pleiteia a criação de uma comissão especial destinada a analisar os projetos paralisados na Casa tratando do assunto, mas nunca recebeu resposta. ¿Pedimos por ofício a criação desse grupo ainda quando o presidente era o Arlindo Chinaglia (PT-SP). Nada aconteceu. Conversamos com o atual presidente Michel Temer (PMDB-SP) e tudo continuou como antes. Nós, que realmente atuamos na frente parlamentar, ainda aguardamos uma resposta.¿

Para argumentar com Temer sobre a importância da comissão, o deputado pediu um levantamento detalhado sobre as propostas em tramitação na Casa que de alguma forma poderiam reduzir os atos de corrupção. O estudo já foi entregue ao presidente. Em resposta às críticas do parlamentar, a assessoria da Câmara afirmou que o pedido de criação da comissão especial está na fila e pode ser votado pela Mesa. Segundo a assessoria, o obstáculo aos planos da frente é o número de comissões especiais em funcionamento. São 70 já instaladas e outras 126 que já foram aprovadas e aguardam agora as indicações dos líderes. (IT)