Título: Algo de insustentável no ar
Autor:
Fonte: O Globo, 13/05/2012, Rio, p. 17

Lagoas no entorno do Riocentro, sede da Rio+20, estão afogadas em esgoto e lixo

A POLUÍDA Lagoa da Tijuca, na Barra: o assoreamento provocou ao longo dos anos a formação de ilhas de lama fétida de até 20 centímetros acima da superfície

EM MEIO a pneus, garças e biguás passeiam sobre trechos da Lagoa da Tijuca que, de tão assoreados, se tornaram rasos

Fotos de Custódio Coimbra

Mais de cem pneus, 21 sofás, televisor, balde, banheira e caixa d"água parcialmente encoberta por vegetação. O material foi encontrado num percurso de um quilômetro, feito de barco, ao longo da Lagoa da Tijuca, na Barra, na semana passada. O trajeto, acompanhado pelo biólogo Mário Moscatelli, foi interrompido cinco vezes: três por atolamento e duas porque uma almofada e um pedaço de plástico se enroscaram na hélice do motor. Na antessala do Riocentro, sede da Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), que começa daqui a exatamente um mês, as condições de lagoas, canais e rios da Baixada de Jacarepaguá são ecologicamente insustentáveis. O esgoto e o lixo despejados e acumulados ao longo dos anos tornaram esses lugares tão rasos que a média de profundidade oscila entre zero e 50 centímetros, de acordo com batimetria feita pela Secretaria estadual do Ambiente para que possam ser executados serviços de dragagem. O estudo identificou ainda que, em alguns trechos, formam-se ilhas de até 20 centímetros acima do espelho d"água.

De cima, fica nítido o tamanho do estrago ambiental numa área que concentrará a maioria dos equipamentos das Olimpíadas de 2016. Num sobrevoo de helicóptero, também na companhia de Moscatelli, repórteres do GLOBO viram galerias pluviais despejando esgoto em canais e lagoas; manchas de poluição no complexo lagunar e na Praia do Pepê; os canais do Portelo e do Cortado, que, de tão assoreados, praticamente desapareceram; e favelas se expandindo. Garças e biguás passeavam sobre sedimentos, onde deveria haver água. Sem falar na Lagoa de Jacarepaguá, em frente ao Riocentro, cuja água verde reflete a alta reprodução de cianobactérias, que podem provocar até hepatite. Um quadro que, segundo autoridades e ambientalistas, só piorou desde a realização da Rio 92, com o acúmulo de sedimentos e o aumento populacional.

Dragagem: inícioaté novembro

Dados do Instituto Estadual do Ambiente (Inea) não deixam dúvidas. O último boletim, de março, mostra que o índice de coliformes fecais encontrado indica condições impróprias das lagoas, mesmo para o contato secundário (eventual). O índice de conformidade, consolidado de 2007 a 2011, obtido pelo instituto a partir de medições em sete pontos, revela também que a qualidade da água era péssima na maior parte do tempo.

- Os cursos d"água da região são valões de esgoto - lamenta Moscatelli. - É possível recuperá-los até 2016. Mas, para isso, além de dragar adequadamente, é preciso concluir o programa de saneamento e implantar outras Unidades de Tratamento de Rios (há apenas uma, no Arroio Fundo).

Uma opinião compartilhada pela bióloga Sandra Azevedo, do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, da UFRJ:

- Se investirmos só nas lagoas, estaremos enxugando gelo. Mas tenho esperança de que os eventos previstos tragam melhorias ambientais.

A última dragagem na região foi feita há cerca de oito anos e se limitou a um trecho da Lagoa da Tijuca. O novo serviço deve começar em outubro ou novembro, segundo o secretário do Ambiente, Carlos Minc. Com recursos assegurados, ela custará R$ 550 milhões. Está em andamento a licitação para a escolha de uma empresa que fará, em quatro meses, um relatório ambiental simplificado. A etapa seguinte é a contratação da dragagem.

O subsecretário do Ambiente, Antonio da Hora, explica que serão dragados 5,6 milhões de metros cúbicos de sedimentos das quatro lagoas da região (Tijuca, Marapendi, Jacarepaguá e Camorim) e do Canal da Joatinga: 30% são lodo e material fino (argila e silte); e o restante areia. O projeto inclui o prolongamento do atual Quebra-Mar em 190 metros, usando pedras das obras de expansão da Linha 4 do metrô. A construção de um quebra-mar na Praia da Macumba, prevista no projeto, ficará para uma próxima etapa, se for considerada necessária. Com a conclusão da dragagem, que deverá durar dois anos, a profundidade do complexo lagunar vai variar de 1,5 a 3,5 metros. O subsecretário acrescenta que, para evitar que o revolvimento de sedimentos provoque cheiro de ovo podre, será adotada a mesma solução usada no Canal do Fundão:

- O odor não será mais forte do que é hoje. Sempre que identificarmos o aumento do cheiro, lançaremos um produto químico que, no contato com o gás sulfídrico, o torna inodoro.

Hora assegura ainda que a maior parte do material dragado será usado para implantar uma ilha, de 450 mil metros quadrados, na Lagoa da Tijuca, próximo à área da Península. O que puder ser aproveitado em obras públicas, diz ele, será entregue à prefeitura.

- Criaremos um espaço ecológico na Lagoa da Tijuca. A dragagem vai recuperar ambientalmente as lagoas da Baixada de Jacarepaguá, que se tornarão navegáveis e propícias à pesca. Teremos uma Cancún carioca. O mar da Barra também ficará próprio a maior parte do tempo - acrescenta Minc.

Quanto ao esgoto, Minc diz que metade está interligada à estação de tratamento e ao emissário submarino. Nas contas da Cedae, a rede atende a 85% da Barra, 70% do Recreio e 50% de Jacarepaguá.

- O saneamento da região, hoje, é muito diferente de cinco anos atrás. Em 2015, teremos 100% dos clientes da Baixada de Jacarepaguá atendidos - garante o presidente da Cedae, Wagner Victer.

O cenário, no entanto, não é tão otimista, segundo a deputada Aspásia Camargo, presidente da Comissão de Saneamento Ambiental da Assembleia:

- A coleta do esgoto ainda é muito precária, porque nem todos os imóveis são interligados à rede da Cedae, à medida que ela é implantada. Há pessoas reclamando de poluição. Recebemos também a informação de que a estação de tratamento de esgoto está sendo subutilizada.

Já a Fundação Rio-Águas, órgão da prefeitura, informa que a Unidade de Tratamento de Rio (UTR) do Arroio Fundo trata 1.800 litros de água por segundo desde 2010, conseguindo reduzir em 88% a turbidez e em 90% a sua carga orgânica. Porém, a água tratada do Arroio Fundo se encontra com o poluído Rio Anil, que desemboca na Lagoa do Camorim. Até 2016, está prevista a instalação de mais quatro UTRs: nos rios Arroio Pavuna, das Pedras e Anil; e no Canal Pavuninha.

-------------------------------------------------------------------------------- adicionada no sistema em: 13/05/2012 04:11