Título: Um ousado cálculo eleitoral
Autor: Godoy, Fernanda
Fonte: O Globo, 11/05/2012, O Mundo, p. 41

Em política presidencial americana, não há amadores. Há quem cometa erros. Há quem decida tomar decisões com base no instinto. Há gafes. Mas entre os dois candidatos e o primeiro nível de seus times de assessores, não há um único amador. Anteontem fez-se História, quando um presidente decidiu pela primeira vez declarar-se favorável ao casamento entre homossexuais. Em um país conservador, é um lance arriscado; mas é também daqueles lances de xadrez político que pressionam a oposição de maneiras distintas.

É uma questão de números. No caso dos democratas, a conta é simples. Obama precisa vencer em três de quatro estados: Flórida, Ohio, Colorado e Virgínia. Para isso, há que mobilizar três grupos que já tendem em sua direção: latinos, mulheres e jovens. Se o voto fosse obrigatório, seria fácil. Não é. Então é preciso motivar os eleitores às urnas. Romney, por outro lado, precisa convencê-los de que não vale a pena, enquanto anima os ultraconservadores. Por um lado, lembra que Obama desapontou na economia. É uma ginástica. Porque, entre jovens, mulheres e latinos, a desconfiança do ultraconservadorismo é grande. Incentivar aqueles 15% a 20% radicais que preferiam Rick Santorum a votar e ao mesmo tempo se mover para o centro do espectro político de forma a não assustar independentes é ginástica mesmo.

Se não há amador em política presidencial americana, não foi por gafe que o vice-presidente Joe Biden revelou ser favorável ao casamento gay no programa "Meet the Press", da NBC, domingo. Uma questão que levanta tensões assim não se encara com displicência. Foi balão de ensaio. Biden falou e, imediatamente, os partidos foram fazer sondagens nacionais. Seja lá o que revelaram, Obama decidiu que os ganhos de se mover eram maiores do que a perda.

Ao último Gallup, do início do mês: 50% dos americanos são favoráveis ao casamento gay, 48% contra. É quando quebramos os números que eles ficam mais interessantes: 56% das mulheres são favoráveis, e 66% dos jovens com menos de 35 anos. O truque está num terceiro grupo, o dos eleitores independentes, que decidem a eleição: 57% favoráveis. Embora os números apontem um país dividido, em três grupos importantes para o presidente - jovens, mulheres e eleitores independentes - a tendência de apoio à causa é nítida.

Mas, ao se declarar favorável ao casamento gay, ele também põe Romney numa posição que este preferiria evitar, empurrando-o de volta para um lugar onde só há maioria entre religiosos protestantes, republicanos e homens, longe do centro ideológico. Romney não tem escolha senão dizer que é contra não apenas o casamento como também uniões civis. É o que sua base pensa. Obama se faz ainda um segundo favor. O noticiário econômico não estava bom, e o presidente muda de assunto.

Não quer dizer que o lance venha sem riscos. Há dois grupos que, nas questões sociais, são conservadores. Negros e latinos. Obama é o primeiro presidente negro, e os republicanos têm políticas imigratórias que afastam latinos. Mas se ficam desapontados com o presidente e decidem não votar, de pouco adianta o esforço para mobilizar um grupo enquanto vira as costas à base. Há um segundo risco. É mais fácil mobilizar alguém para votar contra algo do que a favor. E os conservadores, agora, têm um inimigo mais claro em Obama.

O movimento traz riscos claros. E, por isso mesmo, é bem ousado.

PEDRO DORIA

é jornalista

Artigo publicado no vespertino para tablet

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