Título: Saudades da França
Autor: Paulo Luiz, Horta
Fonte: O Globo, 13/05/2012, Opinião, p. 7

Muito já se escreveu - e ainda se vai escrever - sobre as eleições francesas. Os amigos da França só podem torcer para que o sr. Hollande arranje saída para os dilemas que se abatem sobre a Europa. É desemprego demais, sofrimento demais. E, ao lado disso, a penosa sensação de que faltam lideranças. Falta um Churchill, um Adenauer, um de Gaulle.

Estive lendo um belo livro, editado na França, que se chama "Brésil, pays d´amitié". É uma seleção de coisas que Georges Bernanos escreveu sobre o Brasil - ou aqui, durante a sua longa permanência entre nós, ou em cartas que, de novo na França, ele mandava a seus amigos brasileiros.

Bernanos... A simples evocação desse nome nos transporta a uma França antiga - a "vieille France" - que era uma peça vital no cenário do Ocidente. Em nome dessa "vieille France", Bernanos (nascido em 1888) já invectivava os seus contemporâneos - os franceses dos anos 30 e 40 que não souberam se preparar para o ataque do hitlerismo, consumidos em divergências internas, em cacoetes ideológicos. O que ele diria da França de hoje? Talvez errasse no detalhe (ele era apaixonado demais para aceitar um raciocínio frio); mas acertaria - como sempre acertou - no atacado. Cobraria da França o senso da sua missão histórica.

Essa missão muda (claro) de acordo com os tempos. Mas a "vieille France" tinha o sentido da grandeza, dos valores do espírito - expressos, no começo do século XX, pela poesia de Péguy, autor com que Bernanos tanto se identificava. De tudo isso parece distante o país de hoje, que tem medo do presente e ainda mais do futuro.

Chegando ao Brasil em 1938 com numerosa família, fugindo de um meio intelectual europeu que ele considerava envenenado pelo choque entre as facções, Bernanos teve a surpresa de encontrar, no Rio de Janeiro, uma elite que falava francês, que amava a França, e que incluía figuras onde ele discernia a altivez, o cavalheirismo, o senso da honra - virtudes que, como "velho francês", cultivava. É assim que ele se refere a homens como Virgilio Mello Franco, Raul Fernandes, Affonso Arinos.

E havia os intelectuais puros, os artistas, com quem ele podia conversar interminavelmente (conversas que quase se resumiam a monólogos furibundos de um Bernanos indignado com as baixezas da política europeia. Mas de repente a tempestade passava, dizem os seus interlocutores, e os imensos olhos azuis pareciam os de um menino).

Assim ele foi fazendo o seu círculo de amizades. Sendo católico - um tipo especialíssimo de católico, inconformado com as mediocridades -, ele sentia-se bem entre católicos como Alceu de Amoroso Lima, Jorge de Lima, Murilo Mendes, Fernando Carneiro. Com o que ele chamava "a sua tribo", instalou-se nas vizinhanças de Barbacena, numa fazendola, e garantia as finanças sempre precárias escrevendo para o jornal de Assis Chateaubriand (fazendola e artigos subvencionados, sem que ele soubesse, pela conspiração dos amigos).

O grande romancista de "Sous le soleil de Satan" e do "Journal d´un curé de campagne" passou-se, no Brasil, para a literatura de combate - artigos reunidos em "Le Chemin de la croix des âmes". Mas para nós, brasileiros, as joias dessa literatura são os trechos dedicados ao Rio de Janeiro e ao país onde ele encontrou um pouso, ainda que provisório, na sua vida de cigano. Em setembro de 1938, voltando da fracassada tentativa de instalar-se no Paraguai, ele entra, de navio, na Baía de Guanabara. "A beleza do Rio ultrapassa o que a imaginação possa sugerir. Chegamos à cidade em um dia de brumas. Eu imaginava que fosse uma beleza esmagadora; mas é tudo tão calmo e tão doce!"

Ele nunca se recuperou totalmente desse espanto. Dizia que o Rio era "belo como uma mulher"; "o ar que a gente respira ali parece que se desmancha na boca..." A Fernando Carneiro, em 1946, ele escrevia: "Desde que eu voltei ao meu país, compreendo melhor do que antes que minha estadia no Brasil não foi um simples episódio da minha pobre vida; ela estava inscrita desde sempre na trama do meu destino."