Título: Chance de ajuste
Autor: Leitão, Miriam
Fonte: O Globo, 09/05/2012, economia, p. 20

As contas do governo continuam fechando da mesma forma. Com a ajuda de uma arrecadação maior do que a inflação e com um pequeno déficit coberto por mais endividamento. No primeiro trimestre, as receitas cresceram 8,3% em relação ao mesmo período do ano passado, já descontada a inflação. O governo gastou 5,8% a mais, também descontando a inflação. Mesmo assim, ninguém espera que o ano termine em azul.

As previsões são de que o governo deve gastar este ano 7% a mais do que no ano passado, que já teve um aumento de 3,5% em relação a 2010. Levando-se em conta que o PIB em 2011 cresceu 2,7% e este ano deve crescer em torno de 3,5%, o governo continua aumentando seu gasto acima do crescimento da economia, como tem ocorrido desde 1995, com raras exceções, como a do ano de 2003. É por isso que a conta só fecha com aumento da carga tributária.

Prisioneiro dessa armadilha, o governo sempre promete - e nunca cumpre - fazer a reforma tributária. O temor é o de reduzir os impostos para quem está pagando excessivamente e, como isso, ficar sem dinheiro suficiente em caixa para cobrir seus gastos crescentes.

Num mundo de déficits gigantescos, o Brasil parece muito bem. Muito bem mesmo. Mas é bom lembrar que ele fecha no vermelho todos os anos. O déficit nominal - que inclui o gasto com juros consolidado fechou no negativo em 2,6% do PIB em dezembro e continuou no vermelho em .2,4% em março. Essa pequena melhora é resultado do aumento da arrecadação. De janeiro a março, a receita do Imposto de Renda da Pessoa Física aumentou 9,65%. A da Pessoa Jurídica subiu 12,75%. Já a Cide, imposto que incide sobre combustíveis, e cuja alíquota foi reduzida para evitar o aumento da gasolina, teve uma queda de arrecadação de 42%.

O que esses números mostram é que o governo não faz qualquer mudança relevante nas sua forma de cobrar impostos e gastar suas receitas. Continua a mesma marcha da insensatez, que é gastar cada vez mais, contar com o aumento da arrecadação, e dar descontos em alguns impostos por razões absolutamente conjunturais e casuísticas, como no caso da Cide.

Em março, as despesas cresceram 11% em relação ao mesmo mês do ano passado. No primeiro trimestre, houve uma desaceleração no ritmo de gastos. No ano passado, neste mesmo período, haviam crescido 27% em relação ao ano anterior. Agora, subiram 15,65. Mas quando se analisa a despesa, dá para ver que as escolhas sapo erradas: o gasto com subsídio cresceu 60%, os de custeio subiram 5.7%.

Comparado com outros países, o Brasil está bem em suas contas. A dívida bruta ficou em 56,3% do PIB em março. Mas em dezembro estava em 54%. Entre as razões para esse aumento, segundo o Banco Central, está o endividamento da União para fazer aportes no BNDES. É a mesma história: o governo se endivida, repassa ao BNDES, que empresta a juros abaixo do que o Tesouro paga´ra pelo título. E se os jornalistas quiserem saber mais sobre esses empréstimos têm que entrar na justiça.

Atualmente há uma janela de oportunidade importante que não deveria ser desperdiçada. O s juros estão sendo reduzidos e, portanto, a dívida do governo está ficando mais barata. Segundo o economista Felipe Salto, da Tendências Consultoria, R$ 30 bilhões a menos devem ser gastos este ano com a queda da Selic. É mais fácil, assim, ter o objetivo de zerar o déficit nominal, que havia sido a proposta feita pelos ministros da Fazenda e Planejamento, Antonio Palocci e Paulo Bernardo, em 2005. A proposta, rechaçada pela então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, continua sendo boa e deveria ser perseguida. A vantagem é que com juros baixos é mais fácil atingir.

Sem a necessidade de lançar novos papéis para cobrir o déficit a cada ano, o governo poderá reduzir ainda mais os juros, como deseja. Tudo está pronto para o equilíbrio das contas: arrecadação aumentando e juros caindo. Uma boa ora para mudar a maneira como o governo gasta sua receita e como cobra os impostos, a chamada reforma fiscal.