Título: Em busca do equilíbrio perdido
Autor: B.Wolff, Guntram
Fonte: O Globo, 12/05/2012, Opinião, p. 7

As eleições em França, Grécia, estadual na Alemanha e municipais na Itália foram amplamente interpretadas como um forte indício de que os eleitores estão infelizes com a política de austeridade ou com o que percebem ser austeridade. Cabem várias perguntas: as eleições mudarão a velocidade das consolidações orçamentárias? A França mudará sua política? Ou nada mudará?

Na Grécia, parece altamente improvável que o pleito mude as políticas atuais. Mesmo se for o caso de novas eleições devido à impossibilidade de formar um novo governo e nelas o partido antiausteridade Syriza passe a dominar a cena, pouco poderia alterar. O caminho do ajuste grego é estabelecido em grande parte pela troica - Comissão Europeia, FMI e Banco Central Europeu (BCE). A troica não vai querer renegociar o acordo. Se quisesse, recomendaria eleições a todos os demais países sob programas de assistência financeira, e a condicionalidade perderia o significado. A eleição grega mostra a impotência da democracia num Estado que perdeu sua soberania.

Também na França, o novo presidente terá espaço limitado para reverter completamente o curso da política fiscal. François Hollande não pode e não adotará um programa de gastos em larga escala. Os investidores internacionais são conservadores em matéria fiscal e imediatamente reagirão e exigirão um prêmio pelo risco adicional. É patente que a economia francesa precisa de reformas ambiciosas para se tornar mais competitiva e inovadora. O país tem um dos maiores setores estatais e seu desempenho fiscal é fraco. Na verdade, a França não equilibra seu orçamento desde 1974. Em vez de gastar, Hollande terá de fazer o tipo de reformas corajosas que o ex-chanceler alemão Gerhard Schroeder fez. Isso contradiz promessas eleitorais. Mas apenas uma economia mais forte e vibrante aumentará o poder de negociação da França na Europa.

Mas a vitória de Hollande fará uma grande diferença na cena europeia, apesar de tudo. A chanceler alemã Angela Merkel ficará mais isolada em suas demandas. Eleitores europeus disseram claramente que algo precisa ser feito para melhorar suas vidas. Merkel não poderá ignorar essas vozes, e mais e mais chefes de Estado e de governo vão dizer-lhe que alguma coisa precisa mudar. Internamente, seu objetivo é reduzir desigualdades de renda e assegurar que, na próxima eleição federal, a esquerda não possa iniciar uma campanha de cunho social contra ela. Uma das mais próximas aliadas da chanceler, a ministra do Trabalho, Ursula von der Leyen, começou a reivindicar a criação de um salário mínimo na Alemanha.

O sinal europeu é claro: os eleitores pedem mais demanda e isto ajudará também a política interna alemã. A solução óbvia é criar mais demanda na Alemanha. E provavelmente a melhor forma de elevar a demanda na Alemanha é via significativo aumento salarial. Este é um mecanismo muito mais efetivo que um programa de estímulo fiscal de curto prazo, já que salários mais altos elevarão permanentemente a renda. É também uma forma efetiva de ajustar desequilíbrios na zona do euro, já que a inflação alemã subirá acima da média da zona do euro, permitindo que as taxas de outros países caiam abaixo dessa média.

É também provável que o aumento da demanda em outros países europeus se reflita em maior elevação da renda das famílias na Alemanha do que em gastos do setor público. De fato, é bem conhecido que o gasto público é focado em produtos produzidos internamente e tem pouca influência fora das fronteiras do país que o adota. O ministro alemão das Finanças, Wolfgang Schäuble, entende o argumento básico da simetria, e as eleições francesas tornaram esse argumento ainda mais importante politicamente. Ele disse claramente às partes que negociam as questões trabalhistas em seu país que o crescimento dos salários é garantido.

As negociações salariais em curso, tendo ao fundo taxa de emprego recorde, produzem evidências de que a remuneração em alguns setores chaves na Alemanha pode subir 4% ou mais. Isto implicaria alguma inflação extra no país acima da média de 2% da zona do euro. Neste sentido, a eleição na França pode fazer grande diferença na Europa. Não tanto que a França possa reverter o curso de sua política econômica. Mas o país enviará a mensagem certa à Alemanha e a Alemanha poderá alterar seu curso.

Um reequilíbrio da zona do euro requer um deslocamento da demanda do Sul da Europa para a Alemanha. Até agora, a demanda no Sul tem caído significativamente com o forte processo de desalavancagem em curso nas famílias e nas empresas. É um processo necessário e inevitável resultante dos níveis excessivamente elevados de endividamento nos setores empresarial, familiar e/ou governamental.

Grandes déficits fiscais em alguns países foram usados para amortecer o efeito da desalavancagem sobre a demanda total. Entretanto, grandes déficits são insustentáveis e terão de ser reduzidos. O atual debate sobre austeridade versus crescimento é, em grande parte, sobre a questão da melhor velocidade da consolidação fiscal no Sul.

Ao mesmo tempo, para evitar a recessão na zona do euro, terá de haver mais demanda nos países do Norte. O atual crescimento fraco na zona do euro mostra que a demanda na Alemanha é insuficiente. A melhor maneira de criar mais demanda é via elevação dos salários alemães, em cima de um forte crescimento do país. O reequilíbrio terá de ser obtido com uma mudança relativa dos salários, com crescimento abaixo da média no Sul e acima dela na Alemanha. Este é o verdadeiro desafio que a Europa enfrenta e as eleições podem fazer isto acontecer ao forçar a política alemã a mudar de curso em relação aos salários. Seria um erro resistir ao crescimento dos salários e à expansão do crédito na Alemanha. O sistema político alemão começou a compreender que resistir ao ajustamento simétrico será prejudicial ao país.

GUNTRAM B. WOLFF