Título: Rádio habilitado nos EUA traiu grupo
Autor: de Carvalho, Jailton
Fonte: O Globo, 14/05/2012, O País, p. 9

Clube Nextel cometeu erro "grosseiro" ao julgar que não podia ser grampeado

No depoimento que prestou à CPI do Cachoeira, o delegado Matheus Mela Rodrigues afirmou que o grupo do bicheiro Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, usava mais de 60 rádios Nextel, um tipo de telefone supostamente à prova de grampos, para manter conversas secretas. Segundo o delegado, a criação do chamado Clube Nextel, com aparelhos habilitados nos Estados Unidos, foi um erro crasso da organização. A falha nesse prosaico detalhe permitiu à Polícia Federal avançar nas operações Vegas e Monte Carlo, duas das mais devastadoras investigações criminais realizadas nos últimos anos.

- Foi um erro grosseiro (o uso do Nextel) - afirmou Rodrigues.

Sem saber que as conversas poderiam ser interceptadas, os integrantes do clube foram flagrados falando sobre fraudes em licitações, corrupção de agentes públicos, sequestro de desafeto, manobras políticas escusas e até de tráfico de influência no Superior Tribunal de Justiça (STJ). As investigações já resultaram na criação da CPI do Cachoeira e podem levar à cassação dos mandatos do senador Demóstenes Torres (sem partido-GO) e dos deputados Carlos Leréia (PSDB-GO) e João Sandes Júnior (PP-GO).

As duas operações também já resultaram no afastamento de diretores da Delta Construções que, com a imagem arranhada por suposto envolvimento no escândalo, foi posta à venda. O delegado falou sobre os erros do Clube Nextel ao responder perguntas do deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) sobre o assunto.

- Acho até que os vínculos com o Clube Nextel já deviam ser suficientes para indiciamento - sugeriu o deputado.

Entre os mais ilustres membros do clube estão Demóstenes e Leréia. O uso do aparelho era um sinal de distinção na organização. Numa das conversas interceptadas, um dos suspeitos deixa claro que a perda da confiança num determinado integrante da organização implicaria o confisco do telefone especial. Cachoeira e seus cúmplices acreditavam que os aparelhos Nextel não poderiam ser grampeados porque as linhas eram habilitadas nos Estados Unidos. Um pedido de interceptação poderia demorar mais de um ano para chegar às autoridades americanas.

Mas, em vez de pedir a instalação dos grampos no escritório da companhia telefônica nos Estados Unidos, a polícia decidiu interceptar as ligações a partir das torres de retransmissão brasileiras. Com a estratégia, a PF pôde captar, com relativa tranquilidade, as conversas de Cachoeira entre 2008 e 2009; depois, em 2011; e também no início deste ano. Foram mais de 60 mil ligações telefônicas gravadas na Vegas, e 259.949 na Monte Carlo. Pela análise da polícia, em 16.679 delas o grupo de Cachoeira fala de jogo e corrupção.

O uso do Nextel teria sido sugerido pelo sargento da reserva da Aeronáutica Idalberto Matias, o Dadá, considerado, até recentemente, um dos mais preparados agentes dos serviços de informação oficiais do país.