Título: Estreia em clima de polêmica
Autor: Fleck, Isabel
Fonte: Correio Braziliense, 20/09/2009, Mundo, p. 22

Sessão anual da Assembleia Geral da ONU será marcada pela primeira participação de Barack Obama e pela discussão de temas delicados, como o programa nuclear iraniano e a relação entre israelenses e palestinos

O simples fato de reunir chefes de Estado e governo dos 192 países-membros da Organização das Nações Unidas (ONU) já torna a sessão anual da Assembleia Geral, em Nova York, um palco de encontros e desencontros políticos, geralmente motivados por declarações polêmicas. Neste ano, porém, alguns elementos colocarão um tempero a mais na reunião, que marca a estreia de um novo anfitrião, o presidente Barack Obama. Além do discurso do ¿calouro¿, são aguardadas com alguma apreensão as participações dos presidentes iraniano, Mahmud Ahmadinejad, e líbio, Muammar Kadafi, na próxima quarta-feira. Expectativas cercam também o resultado de encontros paralelos ¿ um deles, ainda não confirmado, entre o presidente da Autoridade Palestina (AP), Mahmud Abbas, e o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu.

De acordo com a embaixadora dos EUA na ONU, Susan Rice, Obama abordará principalmente os ¿desafios globais¿ e a necessidade de empenho de todos os países presentes para enfrentá-los. ¿Não podemos nos limitar à tradicional divisão Norte-Sul, que tem impedido uma efetiva cooperação internacional. Todos têm responsabilidade¿, disse Rice na sexta-feira passada. Para o cientista político Mark Katz, da George Mason University, Obama usará sua boa oratória para tentar, mais uma vez, melhorar a imagem externa que o antecessor deixou. ¿Como no discurso que pronunciou no Cairo, ele tentará mostrar que os interesses e valores americanos são semelhantes aos do resto do mundo.¿

A secretária de Estado, Hillary Clinton, contudo, antecipou que o problema da proliferação de armas nucleares está no topo das preocupações que serão levadas por Obama às Nações Unidas. ¿Não há ameaça maior para nossa segurança e para o mundo¿, disse a chefe da diplomacia dos EUA, ao apresentar os objetivos de Washington para a reunião. Obama deve tratar do avanço nuclear do Irã no encontro bilateral que terá com o presidente da Rússia, Dmitri Medvedev. O norte-americano se encontrará ainda com o colega chinês, Hu Jintao, e o recém-empossado primeiro-ministro do Japão, Yukio Hatoyama.

Posição firme A reunião da Assembleia Geral ocorrerá uma semana antes do encontro dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU e da Alemanha com o principal negociador nuclear do Irã, Saeed Jalili, para tratar do programa de enriquecimento de urânio na República Islâmica. Em Nova York, no entanto, Ahmadinejad deverá reforçar a disposição de tratar de ¿temas globais¿ e reiterar sua posição firme de não abandonar o programa nuclear.

A expectativa é que o iraniano, reeleito sob contestações, leve para a Assembleia uma retórica ainda mais ácida do que nas reuniões anteriores, quando se destacou pelos ataques e provocações a Israel. ¿Sem dúvida, Ahmadinejad vai se comportar de forma polêmica, como sempre. Na verdade, seria muito surpreendente se ele não o fizesse¿, prevê Katz. Na última semana, a Casa Branca garantiu que não haverá qualquer tipo de encontro oficial com a delegação iraniana, como havia noticiado a imprensa local. O presidente do Irã nem sequer foi convidado para o jantar que Obama oferecerá aos presidentes, na noite de terça-feira.

Outra participação polêmica será a do líbio Muammar Kadafi, que vem sendo duramente criticado desde que recebeu de volta ao país, com comemorações, Abdelbaset Ali Mohammed Al-Megrahi, o único acusado pelo atentado de Lockerbie, que matou 270 pessoas, sendo 189 norte-americanas, em 1988. A embaixadora dos EUA na ONU pediu a Kadafi que exercite a ¿moderação¿ em seu discurso, para não ¿exacerbar os sentimentos¿ dos americanos. ¿É uma ferida aberta, é muito sensível para todos nós¿, disse. Kadafi, que sempre se hospeda em uma tenda beduína em suas viagens, já causou problemas antes mesmo de chegar. Autoridades federais e do estado de Nova Jersey rejeitaram a ideia de Kadafi erguer sua tradicional tenda em uma propriedade do governo líbio em Englewood, perto de Nova York.

Acordo distante O presidente da Autoridade Palestina, Mahmud Abbas, comentou ontem que a visita do enviado dos EUA ao Oriente Médio, George Mitchell, fracassou, o que deixou a retomada das negociações de paz com Israel ¿muito distantes¿. Mitchell fez um verdadeiro périplo pela região na tentativa de convencer o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, e Abbas a participarem de uma reunião, à margem da Assembleia Geral da ONU, proposta por Barack Obama. Após dois encontros com o israelense e um com o palestino, Mitchell não conseguiu garantir aquela que seria a primeira reunião formal entre os dois líderes. Para o negociador palestino Saeb Erekat, a reunião poderia se realizar, mas ficaria ¿sem sentido¿ se Netanyahu não mudasse de posição em relação aos assentamentos judaicos na Cisjordânia. A diplomacia israelense diz que o encontro só depende de Abbas, pois Netanyahu teria se mostrado disposto a retomar o processo ¿imediatamente¿.

Pablo Martinez Monsivais/AP - 23/8/08 George Bush discursa na sessão anual da ONU no ano passado: Obama tenta mudar imagem deixada pelo antecessor

Fique atento

» Na própria assembleia ou à margem dela, discursos e encontros tratarão de assuntos-chave da conjuntura internacional

Estreia de Obama » Em sua primeira participação na Assembleia Geral, o novo presidente tentará melhorar a imagem externa dos EUA, reforçando a coincidência de valores e interesses. Falará ainda dos ¿desafios globais¿, da necessidade de cooperação e da responsabilidade de cada país na resolução das crises mundiais.

Discurso de Ahmadinejad » Recém-reeleito, o presidente iraniano, Mahmud Ahmadinejad, mostra-se cada vez mais disposto a provocar Israel e o Ocidente. Espera-se que, uma vez mais, questione o Holocausto e apresente como ¿inegociável¿ o programa nuclear de seu país.

Kadafi, de novo » O presidente líbio, Muammar Kadafi, disputará com Ahmadinejad o papel de figura mais polêmica. Embora tenha normalizado relações inclusive com os EUA, Kadafi acaba de receber como herói um líbio condenado por terrorismo, libertado pela Escócia por razões humanitárias.

Obama e Medvedev » Os presidentes dos EUA e da Rússia terão seu primeiro encontro depois que Obama desistiu do escudo antimísseis no Leste Europeu ¿ projeto de Bush que Moscou nunca aceitou. À margem da assembleia, eles devem tratar de temas como terrorismo, Oriente Médio, Afeganistão, Irã e Coreia do Norte.

Netanyahu e Abbas » Obama tem tentado, insistentemente, garantir a realização de um primeiro encontro formal entre o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, e o presidente da Autoridade Palestina (AP), Mahmud Abbas. Poderia ser o primeiro passo para retomar as negociações de paz, mas ainda não está confirmado.

Colômbia e Equador » Está previsto também um encontro entre os chanceleres do Equador, Fander Falconí, e da Colômbia, Jaime Bermúdez, para tentar restabelecer as relações diplomáticas ¿ suspensas desde março de 2008, quando Bogotá bombardeou um acampamento das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) em território equatoriano.

Lula defenderá Cuba

Beneficiado pela tradição que garante ao Brasil o primeiro discurso no encontro anual, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva aproveitará as atenções para pedir, mais uma vez, o fim do embargo a Cuba e a renovação e ampliação do Conselho de Segurança. ¿No seu discurso, (Lula) pretende fazer uma menção explícita à necessidade do fim do bloqueio a Cuba, pelos EUA, um bloqueio que o presidente considera anacrônico e que é condenado pela opinião pública no continente¿, antecipou o porta-voz da Presidência, Marcelo Baumbach, na quinta-feira.

Lula alertará que, apesar dos progressos conseguidos em relação à crise financeira internacional, ainda há ¿muitas indefinições¿. ¿A maioria dos problemas de fundo não foi ainda enfrentada, e há resistências em adotar mecanismos de regulação dos mercados. Lula apontará a importância de que os países ricos aceitem a realização de reformas nos organismos multilaterais, como o FMI e o Banco Mundial, e defenderá a retomada da Rodada de Doha (sobre comércio mundial)¿, afirmou Baumbach.

O Planalto não confirmou encontros bilaterais em Nova York, mas revelou que estavam sendo estudadas reuniões com o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, com os premiês de Israel e do Reino Unido e até com o polêmico presidente do Irã, Mahmud Ahmadinejad. Na quinta-feira, Lula participará do encontro do G-20 em Pittsburgh. (IF)