Título: Não tem dois lados, o outro lado foi assassinado
Autor: Uribe, Gustavo
Fonte: O Globo, 15/05/2012, O país, p. 11

Às vésperas de a Comissão da Verdade tomar posse amanhã em Brasília, o foco da apuração das violações de direitos humanos praticados na ditadura militar divide a opinião de seus integrantes. Para o diplomata e ex-secretário dos Direitos Humanos Paulo Sérgio Pinheiro, não pode haver uma espécie de "Fla-Flu" na apuração da Comissão da Verdade, com a existência de dois lados: o dos agentes da ditadura e o dos militantes de esquerda. Ele ressaltou que o foco serão os fatos e circunstâncias da violação de direitos humanos ocorridos no período de 1946 a 1988, em casos de mortes, torturas, desaparecimentos forçados e ocultação de cadáveres:

- Os crimes que estão enunciados no artigo terceiro da lei que cria a Comissão da Verdade são muito claros: torturas, desaparecimentos forçados, assassinatos, quer dizer, a investigação dos fatos e suas circunstâncias. Então, não tem essa bobajada de dois lados, isso não existe, são os fatos e as circunstâncias, no período de 1946 a 1988. Não tem essa história de dois lados, o outro lado já foi suficientemente condenado, assassinado, desaparecido etc. Isso não está em questão, o que está são os fatos que tiveram lugar no período.

Em reportagem publicada pela "Folha de S. Paulo", o ex-ministro da Justiça José Carlos Dias defendeu, por sua vez, que a Comissão da Verdade analise as violações cometidas pelos dois lados. Ao GLOBO ontem, porém, o advogado afirmou ter sido mal interpretado e considerou que todos os fatos que chegarem ao conhecimento do órgão de análise serão apurados na Comissão da Verdade. A nomeação do órgão na semana passada abriu uma discussão sobre se serão apurados igualmente crimes praticados pelos agentes de Estado como pelos militantes de esquerda.

O ex-secretário dos Direitos Humanos reforçou o diagnóstico de que a comissão não interessa apenas aos militantes de esquerda ou aos agentes de Estado, mas à população como um todo.

Segundo Pinheiro, o órgão vai decidir o foco que achar mais adequado, como, por exemplo, se vai selecionar algum período para analisar as violações. Ele lembrou que o órgão não tem nem atribuições de Ministério Público nem de Poder Judiciário para punir os envolvidos em crimes durante a ditadura militar:

- Nenhuma Comissão da Verdade que conheço, desde 1980, tem poder judicial. Essa história de punir ou não punir é equivocada. A comissão não tem poder de Ministério Público nem poder Judicial para julgar. Ela não indicia, nem pronuncia, nem julga ninguém. Não é que a comissão no Brasil seja mais frágil. Não é papel de Comissão da Verdade julgar ou condenar ninguém.

No Rio, a advogada Rosa Maria Cardoso da Cunha, que defendeu a presidente Dilma Rousseff na ditadura e integra a comissão, afirmou que o órgão não vai se limitar a investigar desaparecimentos de presos políticos. Segundo ela, homenageada pela Escola de Políticas Públicas e Governo, um dos focos será o envolvimento de agentes públicos.

- O Brasil não está inventando, inovando institucionalmente quando cria uma Comissão da Verdade. Hoje tem 40 comissões no mundo. Essas comissões pretendem rever condutas de agentes públicos. É isso que fundamentalmente vamos rever: condutas de agentes públicos. Vamos fazer de forma mais tolerante possível e justa - disse a uma plateia formada por estudantes.

Para Rosa Maria, é importante ainda que a comissão articule as injustiças do passado com as do presente. Questionada sobre declarações de militares que acusaram a comissão de não ser imparcial, Rosa Maria rebateu:

- É direito de todos expressar a opinião. É legítimo que expressem. Eles gostariam que esse passado fosse passado, que fosse página virada. Não é. Preferiam que não houvesse essa justiça de transição, mas é uma questão já internacionalizada.

Aos 65 anos, Rosa Maria é professora da EPPG desde 1995. A advogada revelou ter ficado surpresa a decisão de Dilma, e negou ter sido torturada:

- Fui detida com outros advogados por algumas horas na década de 1970.