Título: Comissão de Ética do Rio só atuará em sigilo
Autor: Bruno, Cássio
Fonte: O Globo, 16/05/2012, O País, p. 13

Governador e vice não podem ser investigados por grupos criados para fiscalizar conduta de servidores públicos

LIGAÇÕES PERIGOSAS

O governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), e o vice Luiz Fernando Pezão serão os únicos integrantes do primeiro escalão da administração fluminense a não serem investigados pelo novo código de conduta publicado anteontem do Diário Oficial. Na versão anterior do código, o governador não estava excluído das investigações. Os processos abertos por desvios éticos poderão incluir secretários e subsecretários, mas, mesmo assim, tanto o nome do investigado quanto o conteúdo das infrações serão mantidos em sigilo.

Nas últimas semanas, Cabral e alguns secretários apareceram em fotos com o ex-presidente da Delta Construções Fernando Cavendish em passeios e em restaurantes de Paris. A construtora é um dos focos da CPI mista do Congresso que investiga as atividades do contraventor Carlinhos Cachoeira.

- As regras do novo código se aplicam ao governador. Mas ele não pode ser investigado por integrantes de comissões que ele mesmo nomeou. O controle deve ser feito pela sociedade ou pelos parlamentares - justificou o chefe da Casa Civil, Regis Fichtner, que também aparece nas imagens com Cabral e Cavendish na capital francesa.

A fiscalização dos servidores do Rio é realizada por duas comissões que compõem o Sistema de Gestão de Ética do Executivo. Uma delas é formada por integrantes do próprio governo (Ética da Alta Administração) e presidida por Fichtner; a outra (Ética Pública Estadual) é comandada pelo ex-presidente do Tribunal de Justiça Marcus Faver.

Na semana passada, integrantes da comissão formada por Faver ameaçaram deixar o órgão. Eles alegaram que os decretos 43.057 e 43.058, que regulamentam o código de conduta do governo do Rio, eram confusos e não definiam claramente a atribuição da comissão e os poderes para apurar casos envolvendo Cabral. O grupo, então, enviou a Fichtner e à procuradora-geral do Estado, Lúcia Léa Guimarães Tavares, um conjunto de sugestões de mudanças nos decretos.

- As modificações no código foram acolhidas pela comissão externa (Ética Pública Estadual) - ressaltou Fichtner.

Procurado pelo GLOBO, Faver não retornou as ligações. A desembargadora aposentada Doris Castro Neves e o procurador estadual Geraldo Arruda Guerreiro, que também são integrantes da Comissão Ética Pública Estadual, não quiseram falar sobre o caso.

Além de não investigar Cabral e Pezão, o decreto 53.058 determina o sigilo dos processos, com chancela de "reservado" até a decisão final, cabendo a uma comissão do governo "deliberar sobre a permanência dessas restrições". Já o artigo 11 diz que as decisões serão publicadas "sem qualquer dado que possa identificar pessoas submetidas à investigação".

Ontem, indagado pelo GLOBO sobre o sigilo das investigações, Fichtner prometeu rever o decreto e alterá-lo novamente.

- Posso até complementar o decreto. Vou sugerir isso ao governador (para a publicação dos nomes dos servidores e das infrações após o fim das investigações). Queremos deixar tudo muito transparente.

Segundo a assessoria de imprensa de Cabral, essa mudança seria publicada hoje no DO.

Cabral decidiu criar o código de ética e as duas comissões no ano passado, depois da queda de um helicóptero e da morte de sete pessoas, entre elas Jordana Kfouri, mulher de Cavendish, no Sul da Bahia. Na ocasião, Cabral reconheceu ter usado jato do empresário Eike Batista para ir do Rio à Bahia, onde participaria do aniversário de Cavendish, cuja empreiteira tem contratos com o governo de R$ 1,4 bilhão.