Título: O peso do dólar nas dívidas
Autor: Carneiro, Lucianne; Bôas, Bruno Villas
Fonte: O Globo, 18/05/2012, Economia, p. 27

Disparada da moeda americana faz endividamento de empresas brasileiras aumentar R$ 18,7 bi

ABALO NOS MERCADOS

A recente valorização do dólar, provocada principalmente pelo acirramento da crise na Europa, pode representar um custo bilionário para as companhias brasileiras. Levantamento feito com base em dados da consultoria Economatica mostra que o custo em reais para 200 empresas pagarem suas dívidas em moeda estrangeira subiu R$ 18,742 bilhões entre o fim de março e a última quarta-feira. Nesse período, o dólar avançou de R$ 1,8221 para R$ 1,9974, ou seja, uma alta de 9,62% em menos de dois meses.

Ao todo, as empresas tinham US$ 106,913 bilhões em dívidas em moeda estrangeira em março, o equivalente a R$ 194,807 bilhões. Esse montante subiu para R$ 213,549 bilhões, pela cotação de quarta-feira. Uma parte considerável é da Petrobras: a estatal tinha dívida de US$ 51,176 bilhões em março. A lista das dez companhias com maior endividamento em moeda estrangeira inclui, ainda, Oi, Fibria, OGX, JBS, BRF Foods, Suzano, TAM, Dufry e Sabesp, que juntas têm US$ 55,737 bilhões em dívidas.

O custo com endividamento, no entanto, só será realizado no momento em que a empresa precisar pagar sua dívida. Por isso, é preciso considerar o prazo de pagamento. Parte das dívidas é de longo prazo, ou seja, não chegam a ser efetivamente pagas com o câmbio alto.

- O pior que pode acontecer é a volatilidade do dólar, que traz desequilíbrio aos mercados. As empresas não esperavam essa alta do dólar. O pior cenário é para quem tem endividamento em dólar e não exporta, já que as exportações funcionam como uma espécie de hedge (proteção) natural - afirmou o economista-chefe da Órama, Álvaro Bandeira.

Juro menor lá fora compensaria risco

Para o professor da PUC-SP Antonio Corrêa de Lacerda, não há dúvida de que há impacto na rentabilidade das empresas. Ele explicou que o grande risco de tomar empréstimos em moeda estrangeira é exatamente nos momentos de crise, quando o dólar costuma disparar. Isso ocorre porque num cenário de aversão ao risco os investidores acabam recorrendo à segurança da moeda americana.

- O impacto da alta do dólar, no entanto, será limitado por dois fatores. Não está claro ainda se o dólar vai permanecer neste patamar. Além disso, é preciso ver até que ponto cada empresa está protegida por hedge (operações de proteção cambial). Essa proteção ameniza o reflexo do dólar nas companhias - diz Lacerda.

O economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, afirma que as empresas que planejavam tomar empréstimos em moeda estrangeira devem aguardar até que o cenário fique mais claro, mas isso não significa que os empréstimos deixem de ser vantajosos:

- Os juros lá de fora são muito mais baixos que os daqui, mesmo com essa redução recente. Por isso, muitas companhias avaliam que ainda vale o risco cambial e lançam mão de hedge .

A Oi ocupa a segunda posição no ranking entre as empresas com maior endividamento em moeda estrangeira, com US$ 6,2 bilhões. O diretor de Finanças e Relações com Investidores da Oi, Alex Zornig, afirma que a companhia está plenamente protegida das oscilações do câmbio. Segundo ele, 99,7% da dívida da Oi está protegida por instrumentos financeiros:

- Nossa exposição cambial é de 0,7%, ou US$ 42 milhões. O impacto da alta do dólar para a gente é zero.

Este tipo de estratégia, porém, não é adotada por todas as empresas. Segundo Álvaro Bandeira, como o custo desses instrumentos financeiros é elevado, nem sempre 100% da dívida estão protegidos da oscilação cambial.

- O impacto dessa dívida em moeda estrangeira só pode ser analisado caso a caso, já que depende do prazo de vencimento da dívida e da proteção - afirma o professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP) Keiller Carvalho Rocha.

As chances de reflexo negativo nas empresas, no entanto, aumentam num cenário externo de incerteza. Para o economista-chefe da Órama, há uma deterioração das perspectivas para a economia global, o que torna mais possível a manutenção de um dólar a R$ 2.

A Petrobras informa que considera que tem um hedge natural para a oscilação do dólar, já que os produtos vendidos pela companhia são cotados a preços internacionais, ou seja, reajustados levando-se em conta o câmbio e a cotação do petróleo a longo prazo. Por isso, não faz hedge da dívida em dólares. A OGX também diz que tem um hedge natural, já que suas receitas são atreladas ao dólar. Informa, ainda, que tem política de gestão de riscos, com manutenção de recursos no exterior.

A JBS, por sua vez, informa que a dívida da empresa em moeda estrangeira foi tomada nos EUA e será paga com a receita gerada pelas operações americanas, sem influência, portanto, da oscilação do câmbio. E acrescenta que faz operações de hedge cambial. Não haveria, portanto, impacto nas operações no Brasil.

Segundo Rui de Britto Álvares Affonso, diretor Econômico-Financeiro e de Relações com Investidores da Sabesp, a valorização do dólar não coloca em risco a saúde financeira da companhia. Ele explica que os financiamentos são de longo prazo, se estendendo por 24 anos, e têm baixo custo, sem pressionar o caixa:

- É importante destacar que a dívida da empresa não está baseada apenas em dólar. No último trimestre de 2011, por exemplo, a Sabesp teve aumento no lucro líquido de mais de R$ 90 milhões por causa da valorização do real frente ao iene.

A Fibria e a TAM, em período de silêncio por causa de oferta de ações, explicaram que não poderiam se pronunciar. Procuradas, BRF Foods e Dufry não deram resposta até o fechamento da edição. A Suzano disse não iria se pronunciar.