Título: Relação Brasil-França no melhor dos mundos
Autor: Eichenberg, Fernando;
Fonte: O Globo, 21/05/2012, O Mundo, p. 23

Qual será a consequência para o Brasil da troca de governo na França?

JOSÉ MAURÍCIO BUSTANI: Não penso que haverá alguma modificação. Eles têm o mesmo respeito e a mesma confiança, que é a palavra mais importante, no que o Brasil representa. Ainda que às vezes tenham percepções diferentes em política externa, mas estão abertos à discussão. O plus de tudo isto é que sendo um governo socialista aqui haverá uma natural afinidade maior política por conta dos partidos que compõem os governos. O PT e o Partido Socialista têm relações históricas tradicionais, os membros todos se conhecem. O próprio Hollande esteve no Brasil duas vezes. Isso vai facilitar enormemente o diálogo em todos os níveis. O diálogo entre os dois países no âmbito do G20, em questões de trabalho e sociais, já era positivo e será ainda mais por conta da filosofia do governo socialista nesta área. Acho que estamos no melhor dos mundos.

Qual foi o tom da conversa telefônica da presidente Dilma com o presidente Hollande após o resultado das eleições?

BUSTANI: A conversa durou uns 25 minutos e foi um contato excelente, em que houve uma reiteração de parte a parte de elevar a cooperação e a parceria em níveis ainda mais avançados. A sensação é que ficaram contentes com o tom amistoso e receptivo da conversa. Ela o convidou para participar da Rio+20. Confesso que achei que seria complicado para ele, porque acabou de assumir, e seu calendário é repleto. Mas ele se dispôs a ir, o que acho uma decisão extremamente importante, levando sobretudo em consideração que não teremos a presença da Angela Merkel, do David Cameron e do Barack Obama. Mas teremos a presença de um novo presidente de uma grande potência europeia. No ano passado houve um abrandamento da frequência de contatos políticos de alto nível, porque era o primeiro ano do nosso governo e o último ano do governo daqui. Este ano acho que isso será retomado.

Quais os sinais do novo governo francês para as ambições brasileiras de obter uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU ?

BUSTANI: Hollande já havia repetido em discursos de campanha que o apoio a uma vaga permanente para o Brasil no Conselho de Segurança é incondicional. O governo anterior já era enfático em relação a isso, e o novo será tão ou mais. O Reino Unido também é enfático. O problema são os outros três, e em particular os americanos, que são a chave da questão. Quando os americanos disserem "sim, vamos reformar (o Conselho)", acho que aí Rússia e China se movem.

Como o senhor analisa a política externa francesa?

BUSTANI: Em geral, a política externa francesa é meio "bipartisan", como se diz nos EUA. Não vi neste período nenhuma crítica socialista em relação a todas as iniciativas que o Sarkozy tomou no campo internacional, sobretudo em relação à Primavera Árabe. Houve resistências que apareceram depois, em relação, por exemplo, à entrada completa da França na Otan. Mas isso era irreversível. E não houve uma perda da independência francesa, como foi criticado, mas ao contrário, a França se reforçou, tem um comando importante. Outra coisa é em relação à retirada das tropas do Afeganistão. O Sarkozy anunciou que retiraria em 2013, e o Hollande disse que o fará neste ano. Mas são fatores que dependem da realidade. É viável e possível que as tropas francesas saíam este ano ainda? Porque não é só tirar soldados, mas todo o equipamento, os centros de treinamento. Mas é uma divergência de tempo, há um convencimento dos dois lados em relação à retirada das tropas. Em relação à Síria não vejo discrepâncias. Mas obviamente talvez haja um pouco mais de flexibilização em relação ao tom, que pode evoluir, mas só a experiência poderá dizer. Uma coisa é o discurso de campanha, outra é quando se está no governo, com mais dados disponíveis.

O Brasil espera maior adesão da França nas questões internacionais, em casos, por exemplo, das negociações para o controle do programa nuclear iraniano?

BUSTANI : A França foi aberta à proposta brasileira de negociação no caso do Irã, mas foi confrontada a uma precipitação na votação do projeto de resolução no Conselho de Segurança. A França estava pronta para esperar, mas em questão de horas os americanos apresentaram um projeto de resolução, e aconteceu o que aconteceu. Mas o passar do tempo levou os países ocidentais a se darem conta de que nossa iniciativa tinha seus méritos. Acho que não tem por que o governo socialista não seguir esta linha de abertura e de diálogo, porque não interessa a ninguém inviabilizar a situação a tal ponto que possa levar a uma guerra.

Qual é o estágio atual das conversas em relação à compra de caças militares pelo Brasil?

BUSTANI : Esse dossiê terá de avançar em algum momento, no momento em que nossa presidente decidir que há condições orçamentárias que permitam esta decisão. E terá de avançar simplesmente porque nós temos de ter um substituto para os aviões que saem proximamente de funcionamento. O interesse da venda do Rafale por parte da França não é um interesse de partido, mas do Estado francês. Era tão importante para o Sarkozy quanto é para Hollande. Não sei se esta será a opção do Brasil, mas aqui há um compromisso do país, da opinião pública francesa. É o orgulho da tecnologia francesa.

-------------------------------------------------------------------------------- adicionada no sistema em: 21/05/2012 04:03