Título: Perdi o meu dinheiro e a minha vergonha
Autor: Otavio,Chico
Fonte: O Globo, 20/05/2012, O País, p. 3
O motorista aposentado Francisco de Assis Almeida Barros, de 73 anos, lembra de detalhes do passado, das histórias que vivenciou, dos locais que trabalhou. Hoje, no entanto, sua memória falha. Não se lembra mais das passagens recentes. Com problemas de amnésia e insônia, Francisco conta que sequer se alimenta direito desde que descobriu que uma irmã pegou seu cartão de aposentadoria e fez empréstimos consignados no banco em seu nome. A soma foi assustadora para ele: R$ 17,5 mil a serem descontados de seu provento de R$ 2,5 mil mensal.
Hoje não sobra mais dinheiro para comprar seus medicamentos e até mesmo alimentos. Seu único bem, uma casa, terá que ser vendido para honrar os compromissos financeiros. Francisco atualmente vive de favores.
Francisco de Assis paga três empréstimos, além do excedente do limite de cheque especial: um de R$ 4.230, pelo qual paga R$ 460 em 90 parcelas mensais, outro de R$ 7,2 mil em parcelas de R$ 223 e o último, de R$ 6,1 mil. Apenas para pagamento do total de parcelas, o aposentado vê descontado todos os meses o valor de R$ 1,4 mil. O pouco que sobra é consumido pelos juros bancários pelo uso do cheque especial.
- Minha irmã fez empréstimos em meu nome, foi para São Paulo e lá gastou todo o dinheiro. Eu fui caminhoneiro, nunca matei, nunca roubei. O que está acontecendo comigo, que perdi o meu dinheiro e a minha vergonha? - desabafa o aposentado.
O vigilante aposentado Raimundo Ferreira Veras, de 70 anos, vive o mesmo drama. Ele ganha o salário mínimo de R$ 622 mensais de proventos e fica com apenas R$ 400. O restante é descontado para pagamento aos bancos de empréstimos consignados, que foram quitados, mas as instituições bancárias continuaram cobrando as parcelas.
Ele diz que fez dois empréstimos para montar uma mercearia em sua casa, em Teresina. Um deles de R$ 700, com parcelas de R$ 50 mensais, quitadas em 2010. Um outro de R$ 2 mil, com parcelas de R$ 50, quitadas em 2011, mas ainda hoje seus proventos trazem descontos das mensalidades.
- Nunca pararam de descontar dinheiro de minha aposentadoria. Alguma coisa está errada e ninguém resolve o meu caso - reclama Raimundo Ferreira.
No Piauí, nos últimos quatro anos, foram desbaratadas 12 quadrilhas com 45 pessoas presas, acusadas de dar golpes em aposentados. Geralmente, as quadrilhas oferecem empréstimos consignados e os aposentados jamais recebem o dinheiro. Há ainda casos de contratos que são selados com o uso de assinaturas falsas.
Para tentar conter o crime, o INSS decidiu instalar um posto avançado da Delegacia de Proteção ao Idoso que atua em todo o estado. O delegado Mauro André Miranda disse que há um volume muito grande de queixas deste tipo. Mas, além das dificuldades para investigação, a polícia também enfrenta, segundo ele, a resistência de alguns bancos a fornecer informações sobre contratos.