Título: Em PE, Defensoria denuncia que há idosos com até 17 empréstimos
Autor: Lins, Letícia
Fonte: O Globo, 20/05/2012, O País, p. 4

Vítimas são, em geral, pessoas de baixo poder aquisitivo e semianalfabetas

Máfia do superendividamento

FLORESTA (PE). Aos 85 anos, o agricultor aposentado Diocleciano Pedro de Lima, morador da Fazenda Jardim, município de Floresta - a 439 quilômetros do Recife - não sabe mais o que fazer para recuperar o prejuízo da mulher, Maria Honorina de Jesus, 81. Desde outubro do ano passado, ela vem recebendo sua aposentadoria com desconto devido a um empréstimo consignado que não solicitou. Não chegou, sequer, a ver a cor do dinheiro. Mas todo mês, o benefício vem incompleto. Ele já foi várias vezes à agência do Banco do Brasil pedir uma explicação. Mas nada aconteceu.

- No banco, disseram que o financiamento foi tirado para as bandas de São Paulo. Mas a gente nunca saiu daqui de Pernambuco. Como é que alguém tirou esse dinheiro emprestado lá? - questionou, indignado, o lavrador. Ele assegura que eles nunca emprestaram o cartão a ninguém.

Diocleciano e a esposa não são os únicos a sofrer com esse tipo de crime. Atualmente coordenando pesquisa sobre esses abusos, a defensora pública Cristina Sakaki informa que a média de empréstimos entre aposentados é de sete por pessoa e que já encontrou idosos superendividados com 17 empréstimos.

- Os bancos precisam ter critério na hora de emprestar, mas isso não ocorre. Além do financiamento, empurram seguros, títulos de capitalização e terminam por comprometer a sobrevivência dos idosos, que acabam doentes, nervosos, com depressão. Isso virou um problema de Saúde Pública - contou ela, que, diante da dimensão do problema, criou o Programa de Idosos Superendividados, voltado para vítimas desse de problema.

O Ministério Público de Pernambuco instaurou um inquérito civil e está apurando abusos em vários bancos. De acordo com o MP, as vítimas são sempre pessoas idosas, de baixo poder aquisitivo e semianalfabetas.

- Por exemplo, o BMG é um banco pequeno que, na época, tinha só uma agência em Pernambuco. No entanto, era quem mais concedia empréstimos consignados. A agência atuava no estado inteiro, por meio de correspondentes - explicou a promotora Liliane Fonseca Lima Rocha, coordenadora de Apoio Operacional à Promotoria do Consumidor. Ela comandou uma ação coletiva contra o BMG, que foi condenado pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco a repor perdas de empréstimos consignados não solicitados pelos aposentados.

A equipe do GLOBO também constatou o crime em viagem ao Sertão. Depois de abordar dez idosos, todos aposentados, dez já haviam apelado ao consignado. Mas três foram vítimas de fraude e um recorreu à ajuda de terceiros. Os motivos para recorrer aos financiamentos são variados: compra de material agrícola, de casa, de gado e até de palmas (cactácea que serve de alimento ao gado na seca).

O lavrador João Gomes de Menezes, 93, é uma das vítimas. Entre 2006 e 2008 ele foi surpreendido com dois empréstimos que não contraíra. O primeiro em uma agência de um banco particular. Mudou de banco, mas o problema aconteceu de novo, em uma outra instituição privada. As agências informaram aos parentes da vítimas que o financiamentos foram solicitados em Minas Gerais e em São Paulo. Revoltadas, as filhas de João Gomes acionaram à Justiça. Em 2012, um banco reconheceu o erro e está indenizando a vítima. O outro convidou a família para um acordo, que ainda não foi firmado.

- Nós ficamos impressionadas com a facilidade com que ocorre a fraude, pois as falsificações da assinatura de papai eram grosseiras - reclamou Josélia Menezes, filha do prejudicado.

Os dois casos mostram que a máfia que atua na fraude de desvio dr empréstimos consignados age não só no Nordeste, mas em todo o país. Nem sempre, no entanto, o método é o mesmo. Há pessoas se aproveitando do analfabetismo dos idosos para induzi-los a contratar serviços para obter o dinheiro. Foi o que ocorreu com a lavradora Maria do Carmo Barbosa Silva, 56, residente no sítio Brasília, em Arcoverde, a 259 quilômetros da capital. Ela recorreu à ajuda de uma "corretora" chamada Yara para retirar o financiamento.

- Paguei R$ 100, mas consegui o dinheiro - comemorou a lavradora, que retirou R$ 4 mil para comprar uma "casinha", com os R$ 3,9 mil que sobraram. Ela disse que a prática é comum na caatinga, mas não soube informar o endereço nem o telefone da pessoa que a "ajudou". Segundo o Diretor de Produção Rural da Prefeitura de Floresta, Josélio Amaro Lisboa, o homem da área rural ainda não se adaptou completamente ao uso de cartões magnéticos e incorre em erros "fatais":

- Quando visitamos as residências e pedimos o NIS (Número de Inscrição Social) para cadastramento em algum programa, eles trazem o cartão do benefício com um adesivo colado com a senha de acesso ao banco. Orientamos para que tirem o adesivo, pois desse jeito qualquer pessoa pode cometer abuso - afirmou Lisboa.