Título: Na Revolução de 30, bloco e câmara na mão
Autor: Thedim, Liane
Fonte: O Globo, 20/05/2012, Rio, p. 29

Após temporada no exterior, acabou sendo o primeiro poeta brasileiro a ser publicado no Japão

Nas raras vezes em que a memória falha, ele não se dá por vencido. Insiste, faz longas pausas, pensa e, voilà , vem a informação, certeira. Com a voz já um pouco fraca e audição comprometida - o que ele nega veementemente e, por isso, se recusa a usar um aparelho -, começa:

- Nasci numa Sexta-Feira da Paixão, em Miracema ,(Noroeste Fluminense) porque meu pai, funcionário público, tinha sido transferido.

É a deixa para contar suas aventuras. Aos 2 anos, já morando em Niterói, perde o pai. Pobre, sozinho com a mãe e um irmão mais velho, Pimentel é ajudado por uma tia e se forma marceneiro e entalhador. Em 1927, começa a estudar química industrial na Escola Técnica Fluminense, mas nessa época, diz, "já estava metido em jornal". Levado por um primo à "Gazeta de Notícias", em 1930, se junta ao lendário jornalista Orlando Dantas, que fundara o "Diário de Notícias" e tinha entre seus colaboradores a poeta Cecília Meireles. Quando a Revolução de 30 chega ao Rio, está na rua, com sua câmera ("uma caixa de madeira, com sanfona e chapa de vidro") e o bloco de anotações.

- Vi os soldados gaúchos depredarem o jornal "Crítica", de Mário Rodrigues, pai de Nelson Rodrigues. Vi amarrarem seus cavalos no Obelisco da Avenida Rio Branco (movimento simbólico que marcou a vitória da Revolução de 30) - diz, orgulhoso.

Em 1933 - ano em que publica seu primeiro livro, Ciranda Cirandinha, - o inquieto repórter muda novamente de casa, desta vez para o jornal "A Nação", para onde também migram Carlos Lacerda, Cecília Meireles e o marido, Fernando Correia Dias, "grande ilustrador, grande chargista", que se suicidaria dois anos depois.

No carnaval de 1937 - meses antes da fundação do Estado Novo, em novembro daquele ano, inaugurando um dos períodos mais autoritários do país -, Pimentel leu no jornal um anúncio do governo japonês oferecendo um intercâmbio. Em 23 de março daquele ano, ele embarca para o autoexílio em um navio misto de carga e passageiros. A chegada foi um choque cultural, mas o país o conquistou.

- Morava num alojamento estudantil com outros estrangeiros e, em seis meses, ainda não tinha aprendido japonês, apesar das três aulas diárias do idioma. Então, fui para uma pensão no bairro da gueixas, onde eu era o único brasileiro. Em seis meses eu já falava fluentemente o japonês.

Lá vira locutor de rádio e torna-se o primeiro poeta brasileiro a ser traduzido e publicado no Japão, com o livro Namida no Kito (Prece em lágrima), em 1940. Mas o cerco ao Japão começava a se apertar, com o avanço dos aliados, acabando com a doce vida na terra do sol nascente. Em 1942, o poeta deixa o país são e salvo, só levando a roupa do corpo. Voltando ao Brasil, três anos depois, conhece Zuleika Hallais Walsh, poetisa, de 16 anos. Seus destinos se descruzam e ela acaba se casando e tendo dois filhos. Ele permanece solteiro. Nunca perdem contato e 39 anos depois, ela fica viúva e aí eles, enfim, levam o romance à frente. Pimentel, com 74 anos, ela, com 55. Ele não admite ter esperado por ela, mas se derrete, ainda hoje, ao se referir à atual mulher:

- É meu grande amor.

De lá para cá, foram muitos jornais - "Última Hora", "Diário da Manhã", "Correio Fluminense" e "A Tribuna", em 1967, onde ainda trabalha -, e quase duas dezenas de livros. Morando em Icaraí com dona Zuleika, de 81 anos, o poeta se mantém ativo. Insiste em ir de ônibus à redação, escreve poesias à mão, fotografa pessoas na rua e lê jornal diariamente. Não gosta de televisão, computador e internet.

- Sou da geração que escrevia à máquina com um dedo só.

Não fuma e não bebe refrigerante, mas toma caipirinha. Não tem qualquer doença, por isso, não toma remédios alopáticos. Usa apenas homeopatia. Vive com duas aposentadorias, uma do INSS e uma do estado, como professor.

O lado ruim de ter 100 anos?

- Olhar pra trás e ver que seus companheiros todos foram embora. É difícil encontrar um que esteja vivo.

Mas frisa que "o resto é todo bom."