Título: Um voto no futuro do Egito
Autor:
Fonte: O Globo, 23/05/2012, Opinião, p. 6

A excitação dos egípcios com a eleição presidencial de hoje e amanhã é tão grande que o "New York Times" chega a comparar o clima no país ao de uma final da Copa do Mundo. É tudo muito novo. Há apenas 15 meses a população foi para as ruas e não voltou de lá até que o ditador Hosni Mubarak, então há três décadas no poder, saísse de cena. Este foi o grande momento do que ficou conhecido como Primavera Árabe. Depois de passarem anos e anos apenas referendando Mubarak - a última vez foi em 2005, quando ele recebeu 89% dos votos -, os egípcios têm hoje 13 candidatos à sua escolha.

O futuro do mais importante e populoso país árabe continua sendo uma incógnita. Os militares, que exerciam o poder junto com Mubarak, constituíram uma junta e prosseguiram ditando os rumos e fazendo concessões quando a pressão popular subia muito. Assim foi quando permitiram um referendo para mudanças cosméticas na Constituição e a realização de eleições parlamentares, em fevereiro, nas quais o grande destaque foram os islamitas. Os candidatos da Irmandade Muçulmana, maior organização islâmica do Egito, tida como moderada, abocanharam 46% das cadeiras, vindo a seguir os salafitas, radicais, com 20%. Isto preocupa os que gostariam de ter um governo laico, e os cristãos, cerca de 10% da população.

A empolgação com o voto de hoje e de amanhã fez com que a grande maioria da população esquecesse momentaneamente a frustração com a falta de progresso nos rumos da democratização, as manobras envolvendo militares, islamitas e políticos laicos e a persistente estagnação econômica. A tarefa mais imediata do eleito será tentar injetar dinamismo na economia egípcia para baixar os níveis de pobreza, reduzir o desemprego e reformar os precários serviços públicos.

Devido à fragilidade das pesquisas eleitorais, pode-se apontar apenas os candidatos com mais chances. Dois deles, seculares, estiveram no regime Mubarak. Amr Moussa, de 75 anos, foi chanceler e secretário-geral da Liga Árabe e é, por isto, o mais conhecido no Ocidente. Ahmed Shafiq, 70 anos, último primeiro-ministro do ditador, é o preferido dos militares. Os outros dois são islamitas: o candidato da Irmandade Muçulmana, Mohamed Mursi, 60 anos, adepto do conservadorismo religioso; e Abdel Abol Fotouh, expulso da Irmandade por ter se lançado candidato. É tido como moderado, mas recebeu o apoio dos salafitas. Se ninguém obtiver 50% dos votos, haverá segundo turno em junho.

Muitas esperanças serão depositadas no vencedor, que enfrentará dificuldades devido ao vácuo institucional derivado do fato de não ter havido consenso para elaborar uma nova Constituição pós-Mubarak. Os poderes do presidente, do parlamento, dos militares e dos tribunais não estão definidos. Os militares prometeram entregar o poder ao eleito no dia 1 de julho. O cumprimento desse rito já será um grande avanço para uma nação de 81 milhões de habitantes que ainda engatinha na criação de instituições estáveis democráticas.