Título: Brasil ajuda Zelaya
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 22/09/2009, Mundo, p. 24

Embaixada em Tegucigalpa acolhe líder deposto no fim de junho. Governo de fato pede que ele seja entregue à Justiça do país

Passava das 16h20 (hora de Brasília) quando a reportagem telefonou à Embaixada do Brasil em Tegucigalpa. Uma mulher atendeu a ligação, em espanhol, e confirmou que o presidente deposto de Honduras realmente estava no prédio. ¿Positivo, ele está aqui. Não sei a que horas chegou e nem como¿, desconversou. A funcionária revelou que o encarregado de negócios da representação estava em contato permanente com o Itamaraty para tratar do assunto. Do lado de fora, cerca de mil simpatizantes ovacionavam o líder, enquanto helicópteros sobrevoavam o setor diplomático da capital hondurenha. Cerca de uma hora depois, o Correio falou ao telefone com Zelaya (leia a entrevista nesta página).

Quase ao mesmo tempo, em Nova York, o chanceler Celso Amorim garantiu que o ¿Brasil não teve nenhuma interferência¿ nos fatos que levaram à presença de Zelaya em sua embaixada. O ministro acrescentou que apenas se limitou a conceder permissão para que ele entrasse no prédio, poucas horas antes da chegada. ¿Esperamos que isso abra uma nova etapa nas discussões e que uma solução rápida, baseada no direito constitucional, possa ser alcançada¿, declarou Amorim, segundo a agência France-Presse. No início da noite (hora local), o presidente hondurenho de fato, Roberto Micheletti, pediu ao Brasil que entregue Zelaya para que seja submetido à Justiça. Por sua vez, o líder deposto avisou que ¿ninguém voltará a tirá-lo do país¿.

Celso Amorim admitiu que Zelaya chegou ¿por meios próprios e pacíficos¿ à embaixada e contou ter conversado diretamente com ele por telefone. ¿Falei pessoalmente com Zelaya e dei boas-vindas ao território brasileiro¿, comentou, alertando que qualquer tentativa de retirá-lo da embaixada será considerada ¿desobediência ao direito internacional¿. ¿Por enquanto, estamos dando abrigo a ele e nos dispusemos a facilitar o diálogo entre Zelaya e o governo de fato¿, acrescentou. Amorim confidenciou ainda que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva viajava a Nova York, onde participará da Assembleia Geral da ONU, quando ¿recebeu de surpresa¿ a notícia. A reação inicial de

Micheletti ao retorno de Zelaya despertou o temor de uma explosão de violência no país. Por volta das 16h (19h em Brasília), o governo de fato decretou toque de recolher.

O medo de uma reação desmedida de Micheletti levou Amorim a entrar em contato com José Miguel Insulza, secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), e com o Departamento de Estado norte-americano. O ministro das Relações Exteriores brasileiro pediu que as partes se assegurem de que não haja qualquer ameaça contra a segurança de Zelaya ou do pessoal da embaixada. A OEA reuniu-se na tarde de ontem em caráter de emergência, em Washington, para discutir os desdobramentos do retorno do presidente deposto. ¿Zelaya está como hóspede. O governo do Brasil reafirmou sua posição de que é a OEA quem deve seguir desempenhando o papel negociador¿, disse Ruy Casaes, representante brasileiro no organismo.

Soberania

Mas a justificativa não convence alguns hondurenhos. Por telefone, o analista político Jorge Yllescas Oliva, ex-diretor executivo da Receita Federal e ex-ministro de Recursos Naturais e Meio Ambiente, acusou a embaixada brasileira de ter se convertido em quartel-general do líder deposto. ¿O governo do Brasil deveria ser respeitoso para com nossa soberania¿, criticou.

Morador de Tegucigalpa, Miguel Carranza Díaz, de 40 anos, disse que a volta de Zelaya vai desencadear ¿uma série de problemas¿. ¿Acabaram de decretar toque de recolher em meu país a partir das 16h até as 7h da manhã e esse senhor (Zelaya) pede à gente da resistência que não se mova de onde está, diante da embaixada¿, relatou. ¿Isso não é o mesmo que desafiar as autoridades policiais?¿, questionou, antes de opinar que o Brasil deveria se manter ¿à margem dos problemas internos de Honduras¿.

Esperamos que isso abra uma nova etapa nas discussões e que uma solução rápida, baseada no direito constitucional, possa ser alcançada¿

Celso Amorim, chanceler brasileiro

Zelaya está como hóspede. O governo do Brasil reafirmou sua posição de que é a OEA quem deve seguir desempenhando o papel negociador¿

Ruy Casaes, representante do governo brasileiro na OEA

Eu acho... Arquivo Pessoal

¿A Embaixada do Brasil converteu-se em quartel-general de Manuel Zelaya. Isso me parece um abuso por parte do governo brasileiro, que deveria ser mais respeitoso para com nossa soberania. O Brasil está violando a soberania hondurenha, ao permitir que a embaixada se transforme em um quartel-general de insurgentes. Muitos não cremos nas palavras de Zelaya e tememos seu retorno ao poder¿

» Jorge Yllescas Oliva, analista político hondurenho

entrevista - MANUEL ZELAYA ¿Eu me dirigi a Lula, um amigo¿

O presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, já não se aferra ao poder como algumas semanas atrás. Por meio do celular de sua mulher, Xiomara Castro, o estadista falou com exclusividade ao Correio, do interior da Embaixada do Brasil em Tegucigalpa. ¿Vim para ajudar meu país e meu povo. Se não o fizesse, creio que estaria cometendo um erro¿, admitiu. Zelaya preferiu omitir detalhes do acordo que lhe permitiu retornar ao país e se abrigar na representação diplomática brasileira. No entanto, não se furtou em elogiar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ¿ um ¿amigo da democracia e da América Latina¿, na opinião dele. O homem que foi retirado de pijama da residência oficial, na madrugada de 28 de junho, por militares afirmou estar disposto a correr o risco de ser preso. E se disse ¿muito satisfeito e orgulhoso¿ pelo apoio do Brasil na retomada ao diálogo rumo à reconciliação nacional.

Quais as bases do acordo para que o senhor pudesse ficar na Embaixada do Brasil? Nós viajamos durante 15 horas, com diferentes transportes e tipos de caminho até que conseguimos chegar aqui e chamar ao diálogo a pessoa que se coloca neste momento como presidente, não reconhecido pelo povo hondurenho. Não estou autorizado para dar detalhes do acordo. Eu realmente me dirigi a um amigo, como é o presidente Lula. Um amigo da democracia, da América Latina, um estadista do tamanho do Brasil. Toquei o coração de Lula e pedi a ele colaboração para iniciar o diálogo aqui em Honduras. Um diálogo que tem por objetivo a democracia. Eu me sinto muito satisfeito e orgulhoso por fazê-lo com o apoio do Brasil, do chanceler (Celso) Amorim, de Marco Aurélio (Garcia, assessor especial da presidência para assuntos internacionais) e de outros dirigentes que estão nos apoiando.

O que pretende negociar com o governo de fato de Roberto Micheletti? Estou disposto a fazer qualquer acordo. O melhor é buscar um acordo pacífico, não? Eu sou um homem de paz. Quero paz. Não busco armas. Não estou fazendo uma expressão que não seja a de buscar um diálogo. E é isso que me serve para encontrar o eco de que necessita a comunidade internacional e a comunidade hondurenha. O povo está saindo às ruas, estão vindo de diferentes lugares de Honduras. Esse diálogo tem que ser acompanhado e aprovado pelo povo hondurenho. Estamos aguardando membros da sociedade e de comissões da ONU para dialogar.

O senhor não trabalha com o risco de ser preso? Qualquer risco¿ Qualquer compromisso, qualquer responsabilidade ou trabalho estamos dispostos a fazer. Corresponder aos serviços dos irmãos, estamos dispostos a fazer. Contanto que este país volte à calma e que Honduras possa começar um rumo diferente do que tem hoje. Temos vivido 86 dias de repressão, de violação dos direitos humanos, de greves indefinidas, de assassinatos. Honduras não merece isso.

Mesmo que seu retorno lhe custe o poder, está disposto a negociar? Sempre estaremos dispostos a buscar um acordo para temas divergentes e a respeitar a soberania popular.

Como o senhor vê a questão da reeleição? É um processo de mudança, de reforma. É o que estão fazendo o presidente (Álvaro) Uribe (da Colômbia), (Evo) Morales (da Bolívia)¿ Isso não depende de um líder, depende de um povo. A democracia é um caminho permanente de renovação e reforma. Ela não pode ser como pedra. Tem que ser como rios e mananciais. Mas esse processo não depende de mim. Isso é uma má interpretação da imprensa. Eu não posso reformar a Constituição, não é de minha competência. Caso contrário, eu estaria manipulando a Constituição. Meu governo termina em janeiro e não tenho oportunidade de fazer mais depois de meu período de governo. (RC)