Título: Silêncio de Cachoeira emperra avanço da CPI
Autor: Souza, André de; Gois, Chico de; Maltchik, Roberto
Fonte: O Globo, 23/05/2012, O País, p. 9

Diante do contraventor calado, governistas e oposição usam sessão para ataques a Perillo (PSDB) e Agnelo (PT)

TENTÁCULOS DA CONTRAVENÇÃO

Em duas horas e meia de depoimento à CPMI que investiga suas relações com políticos e empresários, o bicheiro Carlinhos Cachoeira nada revelou. Por pelo menos 30 vezes repetiu que preferia ficar calado. Diante do silêncio do contraventor, previsto no script da primeira sessão aberta de depoimentos da comissão, a audiência virou um palco de disputa política entre os parlamentares alinhados ao governo e os da oposição. Os alvos foram os governadores de Goiás, o tucano Marconi Perillo, e do Distrito Federal, o petista Agnelo Queiroz.

O bicheiro Carlinhos Cachoeira teria 20 minutos para falar no início da sessão, mas logo de início, cercado pelos advogados Márcio Thomaz Bastos e Dora Cavalcante, deixou claro seu objetivo:

--- Estou aqui, como manda a lei, para responder ao que for necessário. Constitucionalmente, fui advertido pelos advogados a não dizer nada e não falarei nada aqui. Somente depois da audiência que vamos ter com o juiz, se, porventura, achar que eu deva contribuir, pode me chamar que eu virei para falar e responderei a qualquer pergunta - disse Cachoeira.

Contraventor, impaciente, provoca parlamentares

Nas poucas palavras que proferiu, um impaciente Cachoeira, que a todo momento levava a mão direita ao rosto e rabiscava com uma caneta amarela, só irritou e até mesmo provocou os parlamentares.

--- Nós pedimos para que reavaliassem a nossa vinda aqui. Quem forçou foram os senhores - disse o bicheiro.

Entre uma pergunta e outra, ele respondia a mesma coisa, variando apenas as palavras utilizadas:

- Vou permanecer calado.

- Vou usar meu direito constitucional de ficar calado.

- Falarei tudo depois que der depoimento na Justiça.

- Calado, senhor.

Sem poder avançar nas investigações, os governistas utilizaram seu tempo para tentar mostrar o alinhamento entre Cachoeira e o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB). Já a oposição levantou informações que tinham como objetivo trazer para o centro da investigação o governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PT). No final do embate, quem saiu vitorioso foi o próprio Cachoeira, que respondeu a todas as perguntas e acusações com variações sobre uma mesma frase: nada a declarar.

O deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP) perguntou qual o envolvimento do secretário de governo do Distrito Federal, Paulo Tadeu, e do secretário de Saúde, Rafael Barbosa, com o grupo de Cachoeira. E quis saber, também, se o bicheiro havia se encontrado com Agnelo. Mas o depoente foi sucinto:

- Por instrução de meus advogados, permanecerei calado.

Depois, foi a vez de Francisco Francischini (PSDB-PR). Ele interrogou Cachoeira sobre os contratos da construtora Delta para recolher o lixo do Distrito Federal.

Pelo governo, o senador José Pimentel (PT-CE) e o deputado Paulo Teixeira (PT-SP) miraram seu ataque no governador Marconi Perillo (PSDB). Teixeira lembrou os cargos no governo de Goiás que teriam sido preenchidos graças à indicação de Cachoeira. Além disso, observou que os cheques que pagaram a compra de uma casa de Perillo foram emitidos por um sobrinho de Cachoeira, Leonardo Almeida Ramos.

- Não prospera uma organização criminosa se ela não tiver a aceitação da Polícia Civil, da Polícia Militar, da Secretaria de Segurança Pública e do governador. Ela não prospera se não tiver a tolerância política. E essa organização prosperou no estado de Goiás.

O silêncio de Cachoeira fez com que vários parlamentares desistissem de continuar suas perguntas e decidissem encerrar mais cedo a sessão. A intenção de parte dos parlamentares é ouvi-lo novamente em algum momento depois do dia 1º de junho, quando o bicheiro terá audiência na Justiça.

Alguns dos deputados e senadores presentes ficaram muito irritados com o comportamento de Cachoeira, que começou o depoimento respondendo de forma irônica às perguntas do relator da CPMI, o deputado Odair Cunha (PT-MG). Francischini não gostou e disse que o bicheiro não poderia tratar os parlamentares como um "bando de palhaços". A partir daí, as respostas de Cachoeira se tornaram mais simples e secas, mas sempre do mesmo tipo: dizendo que não falaria sobre o assunto.

A senadora Kátia Abreu (PSD-TO) também ficou irritadíssima. Sem medir palavras,chamou Cachoeira de bandido e cínico, e disse que os parlamentares estavam fazendo perguntas para uma múmia.

- Estamos fazendo papel ridículo diante deste senhor, que está nos manipulando. Se estamos perguntando diante de uma múmia, o que vão pensar de nós? Não vou dar ouro a bandido - disse a senadora.

Sem obter respostas do bicheiro, alguns parlamentares defenderam uma atenção maior nas provas técnicas. Foi o caso do deputado Miro Teixeira (PDT-RJ).

- Eu me insurjo contra aqueles que imaginam que o silêncio pode acabar com esta CPI. Não pode! Esta CPI não foi convocada pela organização criminosa. Agora, é preciso reciclar, sim, os caminhos. É preciso mergulhar na prova técnica - disse Miro.

A reiterada negativa do bicheiro Carlinhos Cachoeira em dar qualquer informação à CPI jogou por água abaixo a expectativa de que se consigam depoimentos bombásticos como os da crise do mensalão. Tanto o presidente quanto o relator da comissão concordam que a partir de agora as investigações devem se focar na análise das milhares de páginas de documentos já recebidas pela CPI. Nas próximas semanas, essa pilha deve crescer velozmente com a chegada dos dados oriundos das quebras de sigilo bancário, fiscal e tributário de outras dezenas de envolvidos no caso.

Com a expectativa de que todos os próximos depoentes se calem, o presidente afirmou que vai conversar com líderes partidários para que a sessão de amanhã - quando estão previstos depoimentos de Wladimir Garcez, Idalberto Matias Araújo e Jairo de Souza - seja usada também para votar requerimentos que sejam de comum acordo e sugerir a convocação de pessoas que publicamente manifestem interesse em falar à comissão.