Título: Amianto: processos de espalham na Europa
Autor: Berlinck, Deborah
Fonte: O Globo, 23/05/2012, Economia, p. 25

Após condenação à prisão em Turim de diretores da Eternit, pressão por indenizações aumenta. Previsão é de 250 mil mortes

Correspondente

O BRASIL SEM AMIANTO

GENEBRA. A condenação em fevereiro, em Turim, na Itália, de dois dirigentes do grupo suíço Eternit - gigante do amianto - a 16 anos de prisão pela morte de três mil pessoas abriu uma caixa de Pandora na Europa. Ativistas e vítimas de todo o continente que há anos lutam por justiça e indenização esperam que essa decisão inédita abra caminho para outras condenações em diversos países. Um processo já foi aberto em Bruxelas, em outubro, pelas vítimas do amianto. Na Europa Ocidental, a estimativa é que, entre 1995 e 2029, 250 mil pessoas terão morrido de câncer por causa do amianto. Mas outros estudos estimam um número inferior, devido às medidas que países do Norte da Europa, como Suécia, adotaram nos anos 70 para reduzir a exposição de trabalhadores ao amianto.

- Desde os anos 30 empresários da indústria sabiam de tudo - acusou a socióloga francesa e especialista em saúde no trabalho Annie Thébaub-Mony.

O uso do amianto já é proibido em 66 países, mas só foi banido em 2005 na União Europeia (UE), depois de um período de cinco anos de tolerância, apesar das evidências, acumuladas desde a década de 60, de que o produto é tóxico e cancerígeno. Só Grécia e Portugal usavam amianto quando a proibição foi adotada. A Noruega foi o primeiro país europeu a proibir, em 1984, o uso do mineral. Na França, o amianto é proibido desde 1997, mas processos judiciais se arrastam há anos, sem condenação.

- As primeiras queixas penais aconteceram em 1997, mas, 15 anos depois, nada aconteceu - disse Annie num debate na televisão franco-alemã Arte.

O advogado da Associação Francesa de Vítimas do Amianto (Andeva), Jean-Paul Teissonnière, que estava em Turim na defesa de famílias italianas, disse ao jornal "Le Monde":

"O quadro é quase idêntico. Os procedimentos industriais da Eternit em Itália, Suíça, Bélgica e França são os mesmos, e o número de vítimas, equivalente. Mas na França, temos a impressão de um naufrágio da Justiça."

Só na França, estima-se que 100 mil vão morrer até 2025

Para os críticos, a questão é política. A França, com a reputação manchada por um grande escândalo de sangue contaminado com o vírus da Aids, estaria tentando, segundo ativistas, evitar uma caça às bruxas: melhor deixar que indenizações encerrem o caso. Mas, após o julgamento de Turim, associações e sindicatos aumentaram a pressão pelos processos.

Estima-se que a França terá 100 mil mortos no período de 1995 a 2025. É que o amianto causa duas doenças: a asbestose, uma doença pulmonar progressiva que causa a morte por asfixia; e o mesotelioma, câncer da pleura, a membrana que envolve os pulmões, e que só se manifesta mais de 30 anos depois da exposição ao amianto. O alemão Bernd Eisenbach, da Federação Europeia de Trabalhadores na Construção e Madeira, acha que isso é só uma parte do problema:

- Não há somente as perdas do passado que envenenam nossas vidas 30 anos mais tarde. Temos que nos projetar e dizer a todos que há milhões de toneladas de amianto nas nossas construções - disse Eisenbach no debate da TV Arte.

Asbestose é considerada doença ocupacional na Alemanha desde 1933, enquanto o mesotelioma entrou para a mesma categoria em 1938. Mas Eisenbach se diz frustrado com a lentidão nos processos no país e a falta de condenação.

- As instituições responsáveis pela prevenção e indenização fizeram muito pouco para ajudar as vítimas.

A grande polêmica agora na França é outra. Algumas vítimas do amianto estão sendo obrigadas a devolver uma parte das indenizações, três anos depois do recebimento, devido a um erro nos cálculos. Nove vítimas foram condenadas no dia 1 de março a devolver uma parte da indenização pelo Tribunal de Apelação de Douai, com montantes variando entre 5 mil e 11 mil. Uma decisão que revoltou a associação de vítimas da França, Andeva.

- As vítimas sofrem uma segunda punição, da Justiça - protestou Pierre Pluto, presidente da Andeva.

BRASIL SEM AMIANTO: Domingo: NA ROCHA, UM RASTRO DE POLÊMICA. Segunda-feira: INDENIZAÇÕES MILIONÁRIAS. Terça-feira: GUERRA DO AMIANTO CHEGA ÀS UNIVERSIDADES