Título: Justiça e sustentabilidade
Autor: Dell'orto, Cláudio
Fonte: O Globo, 28/05/2012, Opinião, p. 07
Justiça e sustentabilidade
OPoder Judiciário tem papel relevante no cumprimento dos objetivos da Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, a ser realizada entre os dias 20 e 22 de junho. Afinal, as transformações necessárias a serem implementadas nos processos produtivos industriais e na agropecuária, os novos modelos de ocupação e uso do solo e o investimento de recursos do estado na inclusão social e erradicação da miséria são potencialmente geradores de conflitos, cuja solução acabará recaindo nos tribunais.
As dificuldades verificadas ao longo do processo histórico recente - constatadas nos débeis resultados do Tratado das Florestas e da Agenda 21, heranças da Rio-92, realizada há 20 anos, no Rio de Janeiro, bem como do Protocolo de Quioto, que expira em 2012 - testemunham a natureza conflituosa entre as metas do crescimento econômico, da preservação ambiental e de uma distribuição mais justa da renda. Tais obstáculos agravam-se em meio ao ambiente de crise hoje enfrentado por numerosas nações, inclusive as desenvolvidas.
Governos e empresas, a despeito dos discursos politicamente corretos e das exigências da sociedade quanto à salubridade ambiental e à produção mais limpa, mostram-se resilientes a realizar investimentos a fundo perdido, característicos do aporte de capital para projetos sociais e ecológicos. Do mesmo modo, amplia-se a resistência a processos restritivos da manufatura, do mercado imobiliário e de áreas agricultáveis. Tudo muito compreensível no contexto dos impactos culturais inerentes às grandes transformações históricas. E o cumprimento dos objetivos do desenvolvimento sustentável implica, sim, uma imensa mudança, que não pode continuar a passos tão lentos como se verificou nas duas últimas décadas.
Há um descompasso entre o discurso e a ação, inclusive quando se verifica a inadimplência de alguns países com relação aos compromissos assumidos na Rio-92 e em outros tratados multilaterais. Este aspecto é matéria para o direito internacional, devendo merecer análise aprofundada na Rio+20. Afinal, é inútil produzir acordos para não serem cumpridos. No âmbito de cada país, o Judiciário será decisivo para pôr fim ao inevitável ciclo conflituoso relativo à transformação produtiva, comportamental e cultural condicionante ao advento de um planeta sustentável. Por isso, será fundamental encontrar mecanismos eficazes para dar efetividade às decisões judiciais.
Algumas questões brasileiras evidenciam a importância da Justiça para a sustentabilidade. Já temos aqui, por exemplo, substantivo conteúdo jurisprudencial quanto à conceituação da função ecológica da propriedade como desdobramento do papel social da terra. No tocante às reservas legais, um dos itens polêmicos do novo Código Florestal, o Superior Tribunal de Justiça já deliberou serem obrigatórias e inerentes à propriedade.
A magistratura, portanto, deve estar cada vez mais preparada para que a prevalência da lei seja inexpugnável garantia da sustentabilidade. A Justiça não tem partido ou ideologia. Não é ecochata e tampouco liberal quanto à exploração desmedida da natureza. É, simplesmente, a guardiã dos preceitos constitucionais, dos deveres e direitos dos indivíduos e da sociedade. É nessa condição que desempenhará papel decisivo na observância de leis e normas nacionais e tratados internacionais voltados à viabilização de um mundo economicamente próspero, socialmente justo e ambientalmente saudável.
CLÁUDIO DELL"ORTO é desembargador, presidente da Associação dos Magistrados do Rio de Janeiro (Amaerj).