Título: Atrasos e superlotação são problemas frequentes
Autor: Thedim, Liane
Fonte: O Globo, 28/05/2012, Economia, p. 20

Atrasos e superlotação são problemas frequentes

Informalidade abre espaço para irregularidades, dizem especialistas. Só este ano, já foram registrados 48 acidentes e 12 mortes

O BRASIL QUE NÃO VIAJA DE AVIÃO

MANAUS, PARINTINS (AM), BREVES (PA) e BELÉM . Atrasos, superlotação, falta de higiene, conforto e segurança. Estes são os principais problemas do transporte fluvial de passageiros na Amazônia apontados por especialistas. Segundo Floriano Pires, professor de Engenharia Oceânica da Coppe/UFRJ, as peculiaridades da região, com a predominância da população de baixa renda, aliadas à falta de regulamentação e fiscalização eficiente das atividades das empresas, facilitam as irregularidades. Em 2011, foram registrados 94 acidentes, com 25 mortes e oito feridos, segundo a Marinha. Este ano, já houve 48 acidentes, com 12 mortos.

- O serviço não é padronizado - afirma.

A informalidade do setor começa já na venda de passagens. Não há venda pela internet ou em balcões organizados. Vendedores abordam quem passa pelo porto oferecendo os barcos. Em Manaus, o vendedor de pedras semipreciosas Élson Pereira Lima comprou a passagem de um vendedor avulso no porto, quando o barco Amazon Star ainda estava afastado do cais. Pagou R$ 80 por ser deficiente físico e acabou caindo na mão dos chamados catraieiros, donos de pequenas embarcações que se oferecem para levar os passageiros até o barco. Combinaram que o "táxi" custaria R$ 5. Na hora em que se aproximaram do barco, exigiram mais dinheiro:

- Ameaçaram me jogar do bote se não pagasse mais R$ 15. Acabei dando mais R$ 5 - conta ele, que fez a viagem para conhecer o Rio Amazonas e chorou de emoção quando os ribeirinhos se aproximaram do barco, no estreito de Breves.

A desorganização da área das redes também preocupou Élson durante a viagem, por levar na bagagem seu laptop. Quase não saía do salão. Quando saía, voltava rapidamente.

- Meu maior medo é roubarem minhas coisas.

Na grande maioria das embarcações da região, há três divisões básicas: a área das redes, os camarotes, como são conhecidas as cabines, e os compartimentos de carga. Os quartos medem cerca de 2 metros quadrados, com uma beliche, ar-condicionado e, em alguns casos, frigobar. Mas, com a bagagem do passageiro, o local fica intransitável para duas pessoas ao mesmo tempo. Das torneiras, a água que sai é a do Rio Amazonas, ou seja, barrenta, principal problema na opinião da piauiense Claudiana Silva Santos, de 32 anos. Durante a viagem, a representante comercial lavou o rosto e escovou os dentes com água mineral. Ela também queria conhecer o Rio Amazonas e pagou R$ 250 pelo camarote sem banheiro.

- Apesar da falta de estrutura, valeu a pena fazer a viagem - diz ela, que, com Ligiane Oliveira, amiga que fez no barco, passou a última noite praticamente em claro, à espera da temida entrada na Baía do Guajará, já quase em Belém, onde a força da entrada das águas do oceano torna a água do rio salobra e revolta. Como a chegada no local aconteceu às 3h, muita gente deixou de dormir.

Passageiros viajam

misturados à carga

As redes são levadas pelos próprios passageiros. Há a opção de pendurá-las no salão com ar-condicionado, que é mais caro e chamado de "rede de primeira classe", e no andar sem ar, as "redes de segunda classe".

- A frota está envelhecendo e os barcos de madeira produzidos artesanalmente são um grande risco - alerta Roberto Pacha, coordenador do curso de Engenharia Naval da Universidade Federal do Pará (UFPA). - Não queremos inverter a vocação da Amazônia, que tem nos rios estradas de alta capacidade e baixo custo. As rodovias são poucas e precárias, só funcionam na época sem chuvas. Mas é preciso aumentar o controle. Estimamos que existam 300 mil pequenas embarcações piratas atuando no transporte de passageiros - acrescenta.

Paulo Tarso Vilela de Resende, coordenador do Núcleo CCR de Infraestrutura e Logística da Fundação Dom Cabral, alerta para o risco de, em muitos casos, o passageiro ir misturado à carga:

- É comum o transporte de carga inflamável, como gás, combustível e querosene. Qual é a política nacional que temos de transporte em rios? Zero.

Bruno Batista, diretor-executivo da Confederação Nacional dos Transportes (CNT), lembra que a falta de estatísticas dificulta a elaboração de políticas públicas para o setor.

- Sem saber a realidade, é difícil elaborar um plano que contemple a formalização deste transporte - comenta.

Antaq diz estar elaborando metas de qualidade

Durante a viagem do GLOBO no Amazon Star, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) fez uma blitz surpresa no porto de Parintins. Descobriram vários salva-vidas incompletos e receberam muitas reclamações dos passageiros das redes. O gerente Edinelson Campos foi chamado e atendeu às determinações: aumentou a frequência de limpeza dos banheiros e se comprometeu a regularizar os salva-vidas. Mas o ar-condicionado continuou falhando. Segundo ele, o motor do barco não suportava os quatro aparelhos ligados na área das redes ao mesmo tempo.

Para a fiscalização, a Antaq tem um efetivo de 110 fiscais apenas, número que admite ser insuficiente. A agência diz que pediu autorização para abrir concurso e que está treinando seus funcionários para melhorar sua atuação. Segundo a agência, até o fim deste mês devem ser decididos os requisitos para as metas de qualidade de atendimento.

Sobre as bagagens na área das redes, a agência diz que a Marinha determina que "deverá existir a bordo um compartimento, com dimensões apropriadas e com possibilidade de trancamento, para a guarda de bagagens e volumes de passageiros". Mas a norma é sistematicamente descumprida na Amazônia.