Título: Condenado à morte por cantar contra os aiatolás
Autor: Magalhães, Graça
Fonte: O Globo, 27/05/2012, O Mundo, p. 44

BERLIM . Por causa de uma canção na forma de diálogo com o imã Ali al-Hadi al-Naghi - morto há 1.143 anos - sobre as mazelas do povo iraniano sob uma ditadura religiosa, o músico iraniano Shahin Najafi, que vive na Alemanha, foi alvo de uma fatwa (decreto islâmico) condenando-o à morte por blasfêmia. É a primeira sentença do gênero proferida pelas autoridades religiosas do Irã contra um residente no exterior desde que o indo-britânico Salman Rushdie recebeu a mesma punição, em 1989, por seu livro "Versos Satânicos".

- Eu continuo trabalhando, compondo textos, pois não vou me deixar dominar pelo medo, mas claro que isso afeta bastante a minha vida - confessou Shahin ao GLOBO, por celular.

Na composição, em estilo rap, Najafi convida o imã, de forma provocadora, a visitar o Irã de hoje para conhecer a realidade atual do país.

Clipe provocador com mulheres e taças de vinho

A reação do Irã veio há duas semanas. Na sentença, o aiatolá Nasser Makarem Schirasi é indagado sobre qual punição mereceria o "antirrevolucionário" que vive no exterior e ofende o imã, e ele responde: com a condenação à morte. A notícia foi divulgada imediatamente pela imprensa persa, também na internet, onde foram divulgados textos com apelos aos muçulmanos para que cacem o músico. O aiatolá teria oferecido recompensa de US$ 100 mil pela morte de Shahin.

Najafi, de 31 anos, imigrou para a Alemanha em 2005 e, desde então, tem desenvolvido a sua carreira ao ponto de tornar-se o músico preferido da juventude iraniana. Logo após tomar conhecimento da fatwa , cancelou uma turnê europeia, que deveria começar na próxima semana, e foi para um lugar desconhecido - de onde falou ao GLOBO - sob proteção noite e dia por policiais alemães.

Najafi já tinha tido uma experiência negativa com o poder no Irã antes de deixar o país. Por causa de uma canção aparentemente inofensiva, com o título de "Eu tenho uma barba", ele foi condenado a três anos de prisão e a cem chibatadas, mas conseguiu fugir para a Europa. A partir daí, tornou-se ainda mais conhecido como o porta-voz musical da Revolução Verde do Irã - o levante popular após a reeleição do presidente Mahmoud Ahmadinejad, em 2009, sufocado pela dura repressão do regime.

Num vídeo divulgado via internet no início de maio, a música de Najafi, chamada de "Naghi", soa ainda mais provocadora para as autoridades religiosas do Irã, já que o cantor aparece com taças de vinho - o consumo de álcool é proibido pelo Islã - e acompanhado de duas mulheres.

Segundo Schahryar Ahadi, empresário de Shahin, a sentença é altamente perigosa porque foi pronunciada por um aiatolá com adeptos no mundo inteiro. No cálculo das autoridades religiosas do Irã, os adeptos fanáticos do aiatolá que vivem espalhados pela Europa poderiam a qualquer momento executar a sentença contra o músico.

Para o jornalista alemão Günter Wallraff, que chegou a receber o escritor indo-britânico Salman Rushdie na sua casa, em Colônia, logo depois de ele ter se tornado alvo de uma fatwa do aiatolá Khomeini em 1989, Najafi precisa ainda mais da ajuda alemã por ser menos famoso. Wallraff conclamou artistas e intelectuais alemães para uma campanha de solidariedade ao cantor.

Rushdie viveu escondido até 2001, quando o então presidente iraniano, Mohammad Khatami, declarou o caso superado. Apesar disso, o escritor continua recebendo ameaças anônimas. Neste ano, foi excluído de um festival literário na Índia por temor de um atentado terrorista.

- Artistas como Shahin são a esperança dos iranianos jovens, que vivem no país amordaçados e ansiando pela liberdade - diz o jornalista alemão.

O Ministério das Relações Exteriores alemão assumiu a responsabilidade pela proteção do jovem músico e diz levar a ameaça "muito a sério".

Para Walter Posch, da Fundação de Ciências Políticas de Berlim, a fatwa pode ser também uma ofensiva da cúpula no poder no Irã para aumentar o clima de luta cultural interna, num momento de retomada nas negociações com o Ocidente sobre o programa nuclear do país.

"Artistas são obrigados a

viver com uma mordaça"

Shahin Najafi, que levou para o refúgio onde vive há duas semanas apenas o violão e uma bolsa com o indispensável, disse que o seu maior problema no momento é a preocupação com o futuro.

- Salman Rushdie sofreu durante os anos que passou escondido, mas, para mim, como músico que precisa de contato com o público, o sofrimento é ainda maior.

O jovem rapper disse que a vida no Irã é hoje, para a maioria, um pesadelo.

- Tudo é proibido: música ocidental, expressão livre, até se alegrar publicamente é proibido. Artistas e intelectuais são obrigados a viver com uma mordaça.

Segundo Shahin, o vírus que deu início à Primavera Árabe contaminou antes o Irã, já que em 2009 a oposição foi às ruas exigir mudanças, mas a dura repressão, com prisões e tortura em massa, diminuiu o ímpeto dos iranianos insatisfeitos.

- A oposição está enfraquecida, mas não morreu. Precisamos ter paciência.