Título: Confronto aberto entre Lula e Gilmar
Autor: Uribe, Gustavo; Lucas, Natalia
Fonte: O Globo, 29/05/2012, O País, p. 3

Às vésperas do julgamento do mensalão e em plena investigação da CPI do Cachoeira, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes entraram ontem numa guerra aberta de versões. Pressionado pela oposição e por outros ministros da Corte, Lula foi forçado a soltar nota negando ter pressionado Gilmar Mendes para adiar o julgamento do mensalão. Lula se disse indignado. Gilmar, em entrevista em Manaus, reafirmou detalhes da conversa que aconteceu no escritório do ex-ministro Nelson Jobim, no dia 26 de abril.

- Claro que houve a conversa sobre o mensalão e o ministro (Nelson) Jobim sabe disso - disse Gilmar.

Segundo a revista "Veja", Gilmar Mendes foi convidado para um encontro com Lula no qual o líder petista teria dito ao ministro que é inconveniente julgar o processo do mensalão antes das eleições municipais, que tem o controle político da CPI do Cachoeira e que poderia protegê-lo das investigações. Lula, segundo Gilmar, teria mencionado uma viagem do ministro a Berlim em que se encontrou com o senador Demóstenes Torres (sem partido-GO), supostamente paga pelo bicheiro Carlos Cachoeira - o que foi negado por Gilmar.

- O presidente disse da importância do julgamento do mensalão de que, se possível, não se julgasse este ano, que não haveria objetividade. Eu objetei então que não me parecia possível adiar esse julgamento, dada a repercussão, dada a possibilidade de dois colegas não mais participassem, colegas que participaram do recebimento da denúncia - afirmou, em referência aos ministros Cesar Peluzo e Ayres Britto, que devem se aposentar neste ano.

No confronto de versões, Lula lembrou, na nota que divulgou, que o ex-procurador-geral Antonio Fernando de Souza foi reconduzido ao cargo por ele após apresentar a denúncia do mensalão e que como presidente da República indicou oito ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) "e nenhum deles pode registrar qualquer pressão ou injunção minha em favor de quem quer que seja":

- Meu sentimento é de indignação. O procurador Antonio Fernando de Souza apresentou a denúncia do chamado mensalão ao Supremo Tribunal Federal (STF). E depois disso foi reconduzido ao cargo. Eu indiquei oito ministros do STF e nenhum deles pode registrar qualquer pressão ou injunção minha em favor de quem quer que seja - afirmou o ex-presidente, em nota distribuída pelo Instituto Cidadania, que preside.

Na nota, a assessoria de imprensa de Lula confirmou que o líder petista se encontrou com Gilmar, mas chamou de "inverídica" a versão da conversa divulgada. A assessoria ressaltou que o ex-presidente "jamais interferiu ou tentou interferir nas decisões do STF ou da Procuradoria Geral da República" em relação à ação penal do mensalão. No texto, é destacado que, durante os seus dois mandatos, o ex-presidente respeitou "rigorosamente" a autonomia e independência do Judiciário e do Ministério Público. "O comportamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é o mesmo, agora que não ocupa nenhum cargo público", acrescentou a nota.

"Houve o encontro, houve a conversa"

Questionado se Lula teria lhe oferecido blindagem na CPI, o ministro Gilmar Mendes disse que "a questão não se coloca dessa forma", mas que o petista falou sobre o "domínio que governo tinha sobre a CPMI":

- O ex-presidente tocou várias vezes no tema da CPI, no domínio que o governo tinha sobre a CPI e aí depreendi desta conversa que ele estava inferindo que eu tinha algo a dever nesta matéria de CPI. Então, eu disse a ele, com toda a franqueza, que o senhor está com alguma informação confusa, que o senhor não está devidamente informado. Não tenho nenhuma relação, a não ser relação de conhecimento e trabalho funcional com o senador Demóstenes.

- Ao voltar-se para a cadeira, como num susto, ele falou da tal viagem de Berlim. Aí eu percebi que ele realmente estava mal informado e que estava se valendo daquele momento pra que eu tivesse algum tipo de constrangimento. Eu estranhei. Não era a relação que tínhamos durante tantos anos. Era algo realmente atípico. O Nelson Jobim ouviu a conversa e ainda interveio. Complementou dizendo que o que ele (Lula) estava querendo dizer é que o deputado Protógenes podia querer levá-lo a CPI. E eu ainda ironizei dizendo que a essa altura ele (Protógenes) é quem precisava de proteção na CPMI - ressaltou.

O ministro disse que se sentiu perplexo pela possibilidade de Lula usar a informação, que classificou de "falsa", sobre suposta ligação com Cachoeira:

- Eu me senti perplexo, porque a relação com o ex-presidente sempre foi muito franca, muito cordial.

O ministro não comentou a nota emitida pela assessoria de Lula:

- Não vou ficar discutindo nota a essa altura. Houve o encontro, houve a conversa, uma conversa de velhos conhecidos. Repassamos os diversos assuntos em comum ao nosso meio e o presidente insistia em falar sobre a CPMI. Falou várias vezes sobre isso - destacou Gilmar. (* Especial para O GLOBO)