Título: Renascimento da ONU?
Autor: Carlos, Newton
Fonte: Correio Braziliense, 23/09/2009, Opinião, p. 15

Ignorada pela arrogância de Bush, que invadiu o Iraque sem autorização do Conselho de Segurança, numa violação clara das leis internacionais, a Organização das Nações Unidas talvez se mostre com fôlego renovado na assembleia geral que se inicia a 30 de setembro. Será a de número 64 e os possíveis sinais de vitalidade resultariam da presença ativa de um novo governo americano. Conferindo o status de membro do gabinete ao representante dos Estados Unidos na ONU, Barack Obama deixou claro que enterraria a ¿doutrina das intervenções preventivas¿. Com ela Bush deixou de reconhecer, segundo Kissinger ¿ o acadêmico, não o lobista ¿, um princípio cujas raízes são velhas de cinco séculos, o da não intervenção em assuntos internos dos países.

Obama será a figura central desse possível renascimento. Ele quer consensos os mais amplos possíveis em torno de questões vitais. Ou a formação de coligações internacionais que tornem vigentes de fato as leis internacionais. O Iraque não teria sido invadido se houvesse respeito por elas por parte de Bush. A secretária de Estado, Hillary Clinton, lamentou a ausência dos Estados Unidos no Tribunal Penal Internacional (TPI), que julga acusados de crimes contra a humanidade. Bush ignorou-o solenemente, seguindo uma linha de comportamento até agora dominante nos Estados Unidos, voltada sobretudo para militares americanos espalhados pelo mundo. ¿Imaginem um juiz árabe julgando um cidadão dos Estados Unidos¿, dizia-se em Washington nos tempos de Bush. Essa recusa envolveu um piloto que arrebentou as correntes de uma estação de esqui na Itália e um soldado acusado de estupro no Japão.

O ex-presidente Clinton chegou a ensaiar adesão ao TPI, mas viu que seria barrado por um Congresso de maioria republicana. Com Obama e maioria parlamentar democrata virá, afinal, a adesão? Hillary deu sinais positivos, mas o terreno é ainda movediço. Em relação ao golpe em Honduras, por exemplo, houve um comportamento dúbio por parte do Departamento de Estado. Hillary o condenou e procurou construir um ambiente de negociações que devolveriam o poder ao presidente deposto, mas com o adicional de eleições antecipadas ¿ uma redução de mandato. Mesmo assim as coisas ficaram por isso mesmo e as campanhas para a escolha de um novo presidente já estão a toda em Honduras, enquanto o presidente arrancado do palácio de pijama continua sua via-crúcis, sem chegar a nada.

Há uma declaração pouco divulgada de um alto funcionário do Departamento de Estado. Ele disse mais ou menos que o presidente deposto de Honduras pagou um preço por ter flertado com Hugo Chávez, da Venezuela. Mas Honduras, embora seja um indicativo que merece acompanhamento, é pouco ou nada diante da magnitude dos problemas que enfrentará a próxima Assembleia Geral da ONU. Dois assuntos se antecipam como dominantes e em torno dos quais Obama quer construir amplas coligações internacionais, dando partida a um multilateralismo contrário ao comportamento de Bush. A convicção de que o Irã tem ambições nucleares armamentistas é um deles. O outro é a questão palestina, empacada face a um governo linha-dura israelense, cujos componentes mais radicais dizem que Obama quer entregar Israel de bandeja aos inimigos.

Diplomatas americanos e europeus já trabalham intensamente, tendo como pano de fundo, pouco ou nada promissor, a questão dos assentamentos judeus em terras palestinas. Obama pediu contrição, colocando em xeque o poder da Casa Branca sobre Israel. A ideia em curso, por enquanto entre quatro paredes, é juntar as duas questões. Jogar todo o peso de ampla coligação internacional em cima do Irã, por meio de sanções duríssimas, e com isso conseguir concessões de Israel que permitam a criação de um Estado palestino ¿viável¿. A começar pelo abandono da construção de novos assentamentos. ¿O Irã é ameaça a Israel, mas não é ameaça a Israel deixar de lado os assentamentos¿, disse um dos diplomatas envolvidos nas articulações de bastidores. Se o Irã for dobrado, Israel será o maior beneficiário. Terá, portanto, de dar o troco. É a expectativa. Mas Irã e Israel são ossos duros de roer.