Título: Contas sujas nas eleições
Autor: Antonelli, Leonardo
Fonte: O Globo, 30/05/2012, Opinião, p. 7

A Câmara dos Deputados, em votação relâmpago que sequer estava em pauta, aprovou, semana passada, um projeto de lei que permite aos políticos o registro de suas candidaturas mesmo quando contas relativas a campanhas anteriores tenham sido rejeitadas pelos tribunais eleitorais.

Na prática, a medida - ainda carecedora de confirmação pelo Senado Federal - representa uma tentativa de neutralizar resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que impede a obtenção de certidão de quitação eleitoral àqueles cujas contas tenham sido desaprovadas em campanha anterior. Pelo projeto agora votado, a simples apresentação das contas já será suficiente para se conseguir a quitação, como vinha acontecendo antes de o TSE condicioná-la à efetiva aprovação.

A queda de braço tem, de um lado, os que querem aprofundar a depuração ética iniciada pela chamada Lei da Ficha Limpa, e, de outro, o corporativismo que, acuado, legisla em causa própria.

Como se sabe, todo candidato a cargo eletivo, em qualquer nível, eleito ou não, deve apresentar à Justiça Eleitoral, depois de encerrada a disputa, em forma contábil e pormenorizada, a relação dos recursos recebidos e dos gastos efetuados na campanha. Essa prestação de contas é o instrumento do qual dispõe o Judiciário para fiscalizar a movimentação financeira do processo eleitoral e a aplicação das leis que visam a assegurar o equilíbrio da disputa - como, por exemplo, aquela que coíbe o abuso do poder econômico.

A exigência de aprovação das contas, introduzida pela Resolução de número 23.376 do TSE, é salutar e necessária. Não faz sentido que a mera entrega de um amontoado de papéis seja suficiente para se considerar como quite o candidato, habilitando-o a uma nova disputa, em igualdade com aquele que teve suas contas efetivamente aprovadas. E é esse faz de conta que o projeto agora aprovado pela Câmara dos Deputados quer trazer de volta.

A reação dos políticos não surpreende. Apenas no Estado do Rio de Janeiro, 949 dos 2.527 candidatos a deputado estadual e federal, governador e senador nas eleições de 2010 tiveram contas consideradas irregulares, de acordo com levantamento do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro. Ou seja: 38% dos políticos que disputaram as eleições passadas não poderão concorrer agora aos cargos de prefeito e vereador em disputa. Os números impressionam e preocupam. O mínimo que se espera de alguém que pretenda exercer cargo público é que cumpra regras e aja com probidade. Como confiar em um político incapaz de prestar com regularidade e transparência suas contas?

Na motivação do novo projeto de lei afirma-se que não cabe ao Judiciário criar regras de inelegibilidade, papel que seria exclusivo do Legislativo. Não é bem assim. O que fez o TSE, ao editar a resolução em questão, foi apenas dar interpretação à regra que trata da certidão de quitação eleitoral, que o próprio legislador estabeleceu como documento indispensável ao registro de qualquer candidatura (artigo 11, parágrafo 7º, da lei 9.504/97).

Argumenta-se também que a simples reprovação de contas nada significa, porque pode decorrer da inobservância de aspectos meramente formais, como, por exemplo, o erro no preenchimento de uma nota fiscal. Falso. A própria legislação confere àquele que presta contas a oportunidade de corrigir erros formais e materiais, além de afastar das causas de rejeição as falhas que, embora não corrigidas, se mostrem irrelevantes e não comprometam o resultado da fiscalização (lei 9.504/97, art. 30, parágrafos 2º e 2º-A).

A sociedade clama por ética na política. E para que se caminhe nessa direção é necessário que a prestação de contas deixe de ser uma mera formalidade e passe a ter consequências. Afinal, se as contas foram reprovadas, das duas, uma: ou houve desonestidade, ou negligência. Nenhuma das hipóteses recomenda o candidato.

LEONARDO ANTONELLI é advogado e especialista em Direito Público.