Título: 30/05/2012
Autor: Villas Bôas, Bruno; Rosa, Bruno
Fonte: O Globo, 30/05/2012, Economia, p. 25

O empresariado brasileiro correu contra o relógio nos últimos dias para concluir operações de fusões e aquisições antes das mudanças das regras do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que entraram em vigor ontem. Foram 17 operações anunciadas pelas empresas em dois dias, num total de, pelo menos, R$ 10,2 bilhões em negócios. O número de transações - da mineração à churrascaria, passando pelo varejo - representa 12% do ocorrido no mundo nessas 48 horas, segundo a Bloomberg News. O Brasil ficou atrás apenas dos EUA na lista de transações. Incertezas sobre as novas regras provocaram a aceleração dos negócios, principalmente por causa da criação de uma análise prévia das operações pelo órgão federal.

- Quem deixou de fechar e registrar a fusão e aquisição até segunda-feira corre o risco agora de levar meses para ter sua operação previamente analisada - explica Ricardo Reis, líder de fusões e aquisições na Ernst & Young Terco. - Tivemos casos de clientes que aceleraram o processo.

Carlos Fonseca, sócio do BTG Pactual, que anunciou a compra da rede de varejo Leader, confirma que fusões e aquisições estão sendo antecipadas. Para ele, houve uma aceleração principalmente por parte das empresas vendedoras. O banco, que abriu capital recentemente na Bolsa de Valores de São Paulo, finalizou seis transações nos últimos cinco dias:

- Até segunda-feira, qualquer operação precisava ser aprovada, mas a transação financeira era feita antes, ou seja, o vendedor recebia o dinheiro e esperava a autorização do órgão. A partir de agora, isso não acontece, fica tudo suspenso até a aprovação do negócio pelo Cade. O processo com a Leader foi acelerado tendo em vista a mudança regulatória. E o processo agora é mais lento. Muita coisa precisa ser regulamentada e esclarecida.

Órgão pode dar prazo de 15 dias

Em princípio, estariam submetidas às novas regras todos os atos firmados a partir de ontem. No entanto, o Cade realiza uma reunião hoje para bater o martelo sobre como se dará a transição. A ideia é permitir que operações notificadas nos próximos 15 dias sejam avaliadas ainda pelas normas antigas.

Para Luiz Marcatti, sócio e diretor da área de gestão da Mesa Corporate Governance, a aceleração das operações apresenta riscos para empresas.

- Há detalhes que passam despercebidos, principalmente nas fusões: sinergia de custos, ganhos de receitas. E isso pode ser um problema lá na frente, perigoso para as empresas.

Segundo Reis, da Ernst & Young Terco, o processo de antecipação das operações ocorre em um período de relativo aquecimento do mercado de fusões e aquisições no país, seja pelas perspectivas de crescimento a longo prazo ou pelo simples fato de fundos de private equity - que investem em empresas de capital fechado - estarem com caixa cheio para apostar no Brasil:

- O país vive um momento de investimentos esportivos e no pré-sal, com toda a questão do PAC e poder de compra das classes C e D. Existem desafios, mas é um cenário positivo.

Entre os principais negócios anunciados, destaca-se a compra da Leader pelo BTG. O banco pretende comprar até 70% das ações da varejista, em um negócio avaliado em R$ 1,069 bilhão. A rede tem 65 lojas e faturou R$ 1,3 bilhão no ano passado, 25% a mais que em 2010. Em um primeiro momento, o BTG vai pagar R$ 665,14 milhões, com a compra de ações e aumento de capital. Com isso, terá 40% do capital social total da Leader. Depois, pretende comprar mais 30% por R$ 404 milhões.

- O desejo inicial é comprar mais 30% e chegar a 70% do capital. Mas temos 90 dias para isso. Vemos enorme potencial da Leader seja através de crescimento orgânico seja em aquisições - disse Fonseca, lembrando que 30% vão ficar com a família Gouvêa .

Na corrida para fechar negócios, nem o churrasco brasileiro escapou. A GP Investments anunciou que vendeu a Fogo de Chão para o Thomas H Lee Partners, fundo de investimentos de Boston, por US$ 400 milhões. Estima-se que a GP tenha pago cerca de US$ 180 milhões, em operação encerrada em 2011. Segundo o presidente da Fogo de Chão no Brasil, Jandir Dalberto, a empresa faturou US$ 195 milhões no ano passado, alta de 14,7% sobre 2010.:

- A GP disse que o fundo dos EUA tinha interesse, fizeram um preço e levaram o negócio. Temos 25 restaurantes e vamos abrir mais duas unidades até o fim do ano, uma delas em Boston.

Outro produto tipicamente nacional foi vendido na segunda-feira para estrangeiros: a cachaça Ypióca, que era comandada pela família Telles, foi adquirida pela britânica Diageo, dona do uísque Johnnie Walker e da vodca Smirnoff, por R$ 900 milhões. No concentrado setor aéreo, a Azul se juntou com a Trip criando uma empresa com 112 aviões e receita de R$ 4 bilhões.

Cosan vende açúcar União e Da Barra

E a Cosan, um dos maiores grupos privados do país, com forte presença nos setores de energia, açúcar e álcool, anunciou ontem a venda de sua divisão de alimentos (Docelar) para a Camil. Dona das marcas União e Da Barra, que têm 75% de participação no mercado nacional de açúcar refinado, a Docelar irá reforçar o portfólio da Camil, uma das líderes na venda de arroz e feijão e dona da Coqueiro, de pescados. Em troca de seus ativos de alimentos, a Cosan receberá R$ 345 milhões, além de 11,72% no capital da Camil. O grupo Arfei, controlador da Camil, terá 60,25% da empresa, enquanto a GIF Codajas, controlada pela Gávea Investimentos, de Armínio Fraga, ficará com 28,03% de participação no negócio.

- Temos claro o foco dos negócios e caminhamos para a estratégia desenhada, de concentrar em infraestrutura e energia - disse Marcos Lutz, presidente da Cosan.

COLABORARAM Martha Beck e Vivian Oswald