Título: Cheque-caução em hospital agora é crime
Autor: Weber, Demétrio;Xavier, Luiza
Fonte: O Globo, 30/05/2012, Economia, p. 32

BRASÍLIA, SÃO PAULO e RIO. A presidente Dilma Rousseff sancionou a lei que proíbe e pune com pena de prisão a exigência de cheque-caução para atendimento emergencial em hospitais do país. A nova regra, que altera o Código Penal, foi publicada ontem no Diário Oficial da União e já entrou em vigor. A lei prevê detenção de três meses a um ano e multa para quem exigir cheque-caução, assinatura de nota promissória ou qualquer garantia assim como o preenchimento de formulários administrativos, como condição para prestar atendimento médico-hospitalar de emergência.

A pena triplica para até três anos de prisão, caso a negativa de atendimento resultar na morte do paciente. Se tal prática causar lesão de natureza grave, a pena dobra para até dois anos de cadeia.

Os hospitais ficam obrigados a afixar, em local visível, cartaz ou equivalente com a seguinte mensagem: "Constitui crime a exigência de cheque-caução, de nota promissória ou de qualquer garantia, bem como do preenchimento prévio de formulários administrativos, como condição para o atendimento médico-hospitalar emergencial, nos termos do art. 135-A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal."

A nova lei foi proposta pelo governo após a morte do então secretário de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Duvanier Paiva Ferreira, em janeiro. Ele sofreu um infarto e esteve em dois hospitais particulares de Brasília, onde não foi atendido porque seu plano de saúde não tinha convênio com os estabelecimentos.

Em abril, uma idosa de 77 anos morreu em frente a um hospital particular de Brasília. De acordo com o filho da vítima, a aposentada deu entrada no hospital com arritmia e pressão alta. Ela só teria sido atendida e levada pata UTI duas horas depois, com o depósito de dois cheques-caução. Horas depois da internação, a idosa faleceu. A polícia civil de Brasília afirma estar investigando a suspeita de omissão de socorro.

Nova lei poderá ser usada em casos de internação também

O texto publicado no Diário Oficial diz que a lei entrou em vigor ontem, mas que ainda será regulamentada pelo Poder Executivo. Por meio de suas assessorias, porém, os ministérios da Justiça e da Saúde informaram que não há nada a regulamentar.

- Acredito que a tipificação desta conduta como crime de omissão de socorro ajudará a coibir a prática pelos hospitais. Além da Lei Estadual de São Paulo e do Código de Defesa do Consumidor, agora, com a sanção que pune civilmente os estabelecimentos, o consumidor pode procurar o Ministério Público e também outras autoridades competentes - diz a advogada Joana Cruz, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).

A proibição da exigência de depósito prévio para a internação em clínicas e hospitais privados já era prevista em uma norma da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) publicada em 2003 - válida apenas para pacientes com planos de saúde - e em leis estaduais do Rio de Janeiro e de São Paulo. Mas, por não terem força de lei federal, não estabeleciam punições severas para as empresas.

Segundo Selma do Amaral, diretora de atendimento do Procon-SP, os casos de exigência de cheques ou pagamentos antecipados têm diminuído, mas ainda existem.

- O prestador de serviço tem o direito de receber por isso, mas negar atendimento de emergência e exigir cheque-caução, em um momento em que a família assinaria qualquer coisa para ver seu ente atendido, é contra a ética médica - destaca.

Para Larissa Davidovich, coordenadora do Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecon) da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, a sanção da nova lei é uma vitória da saúde.

- A lei tornou crime uma prática antes considerada apenas abusiva. É uma vitória da saúde. Essa lei veio em ótima hora, já que, diferentemente da norma da ANS e das leis estaduais, tem alcance nacional. E a lei é muito clara: quando há vida em risco, é para atender. Ela vem ao encontro da nossa batalha com as operadoras, em que 90% dos casos se refere a atendimentos de emergência e urgência - ressalta a defensora pública.

Embora caracterize como crime apenas a exigência de garantias para atendimentos de emergência e urgência, a nova lei poderá vir a ser aplicada em outras situações, como nos casos em que a internação do paciente precisa ser prolongada ou em cirurgias eletivas.

- Tudo dependerá de como a nova lei será interpretada. Essa lei é um avanço, pode caminhar no sentido de ampliação. E o mais importante é que, a partir de agora, o consumidor que se deparar com a exigência poderá acionar imediatamente as autoridades policiais - afirma o advogado Julius Conforti, especialista em direito do consumidor e saúde.

Procurados, os representantes da Associação Brasileira das Empresas de Medicina de Grupo (Abramge) não foram encontrados. (Colaborou Guilherme Voitch)