Título: Ditador sob ataque diplomático
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Fonte: O Globo, 30/05/2012, O Mundo, p. 33

O ENVIADO especial da ONU, Kofi Annan (à esquerda), conversa em Damasco com Bashar al-Assad, que voltou a responsabilizar terroristas pela violência na Síria

AP

A expulsão coordenada de embaixadores e outros altos diplomatas sírios, seguida de uma série de firmes condenações verbais, foi a saída encontrada ontem por Estados Unidos, Reino Unido e outros nove aliados para retaliar Damasco - sem a adesão do Brasil, que voltou a defender o diálogo - pelo massacre de sexta-feira passada de mais de cem civis no vilarejo de Houla. A matança, que incluiu 49 crianças, segundo a ONU, foi classificada pela organização como uma execução sumária por parte de milícias pró-governo, mas foi atribuída pelo presidente Bashar al-Assad, em reunião ontem com Kofi Annan, a grupos terroristas.

Enquanto Annan não consegue fazer Assad honrar os termos do plano de paz, e Rússia e China se mantêm resistentes no Conselho de Segurança da ONU a retaliações concretas, medidas unilaterais, como a anunciada ontem, têm sido a saída para elevar a pressão sobre a Síria sem recorrer a uma intervenção militar. Desta vez, aderiram à iniciativa Reino Unido, França, Alemanha, Espanha, Itália e Austrália, que expulsaram embaixadores; e EUA, Bulgária e Canadá, que pediram a saída dos mais altos diplomatas sírios em suas capitais.

Todos já haviam, a exemplo de vários países árabes, fechado suas embaixadas em Damasco ou reduzido ao limite as atividades diplomáticas na Síria. Agora, rompem quase que totalmente os laços com um regime já minado por duras sanções econômicas e um embargo ao petróleo. Holanda e Suíça se juntaram à lista ao declararem personas non gratas os embaixadores sírios junto a seus governos - os diplomatas ficam baseados em outros países.

- Assad é um assassino de seu povo. Ele tem de deixar o poder. Quanto antes melhor - disse o ministro das Relações Exteriores da França, Laurent Fabius.

Annan cobra fim imediato da violência

Fabius foi quem mais elevou o tom num dia de declarações veementes por parte de seus colegas europeus contra o governo sírio. O ministro das Relações Exteriores britânico, William Hague, disse que as expulsões dos embaixadores "expressam o horror em relação ao comportamento do regime", e o alemão Guido Westerwelle cobrou que Assad "não tape os ouvidos para a mensagem".

Nos EUA, enquanto o chefe do Estado-Maior Conjunto, Martin Dempsey, disse que massacres como o de Houla tornam uma intervenção militar mais provável, a Casa Branca se esforçou para se distanciar de tal opção - também não descartada ontem pelo presidente francês, François Hollande.

- Não acreditamos que uma maior militarização da situação na Síria seja o melhor caminho para agir. Para nós, isso levaria a mais caos, mais carnificina - disse Jay Carney, porta-voz da Casa Branca.

Enquanto os países anunciavam as retaliações, Annan fazia ontem um novo esforço para tentar salvar seu plano de paz. Numa conversa descrita como franca por seu porta-voz, o ex-secretário-geral da ONU cobrou o fim imediato da violência, mas ouviu de Assad novas respostas evasivas e a justificativa de que isso só será possível quando o terrorismo for contido.

- (O sucesso do plano) depende de deter o contrabando de armas e frear o terrorismo e os que o apoiam - disse Assad, em declarações reproduzidas pela agência de notícias estatal Sana.

Annan exigiu também das forças opositoras o fim da violência, mas deixou claro que considera o regime o principal responsável pelas sucessivas violações de seu plano de paz. A iniciativa contempla não só um cessar-fogo, como a autorização da entrada de ajuda humanitária e a abertura de um processo de transição política.

- O povo sírio não quer um futuro sangrento e dividido, mas as mortes e os abusos continuam. Queremos ações e não meias palavras - ressaltou Annan.

Ontem, o Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos anunciou que, com base em depoimentos de testemunhas e sobreviventes, pode atribuir o massacre de Houla, no centro da Síria, a milícias que apoiam o regime de Assad. Segundo um relatório da agência, dos 108 mortos, menos de 20 foram vítimas de um bombardeio do Exército. Os demais, afirma, foram mortos a tiros dentro de suas casas.

"O que ocorreu em Houla é abominável, e está claro que uma parte significativa das mortes foi de execuções sumárias", diz o comunicado.

O governo sírio negou as acusações e, através do vice-ministro das Relações Exteriores, Faisal al-Miqdad, garantiu não ter violado "um único ponto do plano de paz" apresentado por Kofi Annan. Segundo ativistas, apenas ontem 98 pessoas morreram na Síria, mais de 60 delas civis.